“Um rato tornou-se moeda monetária.” - Zbigniew Herbert
O socialismo tem como base a socialização dos meios de
produção, o bem comum a todos e a extinção da sociedade dividida em classes. O capitalismo tem como objetivo principal a acumulação de capital através do
lucro.
Tempo versus futuro e dinheiro. isso é Cosmópolis.
A cidade de Nova Iorque está em tumulto e a era do
capitalismo está chegando ao fim. Uma visita do presidente dos Estados Unidos
paralisa Manhattan e Eric Packer (Robert Pattinson), o menino de ouro do mundo
financeiro, tenta chegar ao outro lado da cidade para cortar o cabelo. Durante
o dia, ele observa o caos e percebe impotente, o colapso do seu império. Packer
vive às 24 horas mais importantes da sua vida e está certo de que alguém está
prestes a assassiná-lo.
Cosmópolis, neologismo. À etimologia então: “cosmos” do
grego kosmos, que significa ordem, organização; “polis” é transcrito
diretamente do grego, e era o nome dado às cidades da Grécia antiga. Se as
metrópoles (metró vindo do grego “meter” que significa mãe” são as cidades que
agrupam sob suas arredores outras, filhas, a Cosmopolis é a cidade da
organização rígida, de estrutura lógica. É a cidade de Eric Packer, é a mente
de Eric Packer.
Baseado no livro homônimo de Don DeLillo, Cosmópolis é um roteiro
que mostra um retrato assustador da nova Era.
São pessoas impelidas a esmo a viver o futuro, onde o
presente não existe mais, se perdeu. Nessa cosmópole, Tempo e dinheiro se
confundem nas medidas e ações. Muita informação, onde o novo de hoje, é o velho
daqui um nano de segundos. O dinheiro e o capital que giram e definem o mundo.
Onde nada mais é orgânico, tudo é programado. Uma sociedade de Caos e terror,
de angustia e medo. Com estruturas físicas tão fortes, mas que escondem bases frágeis
e terminais.
“- Gosto de andar
de taxi. Não entendo muito de geografia, e consigo aprender muito sobre os
lugares e a cidade perguntando aos taxistas de onde eles vieram.
- Eles vem do horror e do caos.
- Exatamente!”.
Falas como essa são executadas numa monotonia extrema. A
frieza caracteriza o palco em que o filme calca. Jovens, adultos sem
inspiração, sem emoção, sem trejeitos, com ares mecânicos e objetivos. Sem
instinto, sem se darem o luxo da falha ou da duvida. Pergunta atrás de pergunta
numa mascara de tecnologia, soberba e vida inteligente. Sem paixão, sem vida,
somente sobrevidas sobrevivendo pelo capital, não mais pelo ar.
O objetivo de Eric é claro: atravessar a cidade para cortar
os cabelos e ponto final. Não interessa a ameaça de morte, não interessa os
protestos que ele encontra pelo caminho. São eles justamente, juntamente ao
sexo igualmente mecânico sem libido, que conferem um pouco de emoção a vida de
um jovem gênio milionário e atormentado pelo meio em que vive.
O traço de humanidade orgânica do passado esta presente em
momentos dispersos, como crianças tendo que assumir uma maturidade que não lhes
cabe; ouvindo musica alta, em baladas, com luzes que distorcem sua realidade
espacial, tomando pílulas e cegando as retinas nas telas iluminadas do
computador. Sem ao menos poderem comprar uma cerveja legalmente – são crianças.
O próprio computador esta morrendo, o nome computador é
velho, pertence a um passado que a sociedade atual tenta revisitar sem sucesso.
Cronenberg não abandona o terror, sua marca registrada. Com esse
quadro ele traça um panorama que à medida que a narrativa avança, vai se
tornando mais claustrofóbica, angustiante, assustadora e por isso mesmo maçante.
Nossa vida se ressume há horas. Em um dia tudo muda. Nunca essa ideologia foi
tão real e palpável como agora.
No meio do conturbado caminho a seu tão almejado corte de
cabelo, nos deparamos com diversas paradas pelo caminho que salientam a máxima do
filme: somos ratos. O dinheiro é um rato que nos persegue, mesmo mortos, nos
traz doenças, uma infecção generalizada de esgoto, de defeitos. Ratos em rodas
correndo sem cessar.
A própria limusine branca de Eric nos mostra esse mundo,
onde sua poltrona assume o posto de trono. Um poderoso chefão pelo próprio bem.
Mas ele vai alem em seus questionamentos. Não é só no bolso
e em volta que o tempo se apresenta ditatorial. A monarquia foi abandonada. Os
bens da humanidade pertencem a quem pode pagar mais. – O tempo é cruel e
absoluto organicamente, mesmo onde ele já fez questão de deixar tudo sintético.
Esse novo quadro, gerou seres humanos a um passo da loucura.
A morte não assusta mais, a fome, a sede. A preocupação com o bem estar físico
e emocional já não é prioridade, num mundo que só preza a procura e a oferta. Somos
dados, números, não mais presença ou metafísica.
São jovens sem perspectivas, que só pensam em lucros sem
saber como, tendo de enfrentar décadas de vivencia e responsabilidades e
informações em semanas, são velhos que criam uma redoma de confusão entre o
mundo que conheceram, entre as batalhas e revoluções que fizeram e deram
errado, mesclando lembranças e desejos no mesmo patamar, numa conversa sobre
taxis e mijadas numa barbearia que parece abandonada.
Os personagens aqui assumem o papel físico do capitalismo e
seu povo. Cada personagem é uma peça num grande tabuleiro. O que vemos nada
mais é do que os balanços da bolsa em carne e osso. Eric é o capitalismo, o
novo capitalismo, protegido pelo meio, com nome em ascensão e com a estrutura
em declínio.
“minha próstata assimétrica” – em dado momento da projeção,
essa fala ressume bem toda a ideia do filme., uma vez que se parta da ideia de
que a razão esta no corpo. Uma próstata assimétrica denomina normalidade,
coesão, linearidade. Ao assumir sua próstata assimétrica, Eric busca o conceito
de perfeição. Assim como o capital, o dinheiro, a humanidade. Sua maior força
na realidade é sua maior fraqueza. Afinal não é pela busca da perfeição que se
mantem o equilíbrio, e sim no imperfeito.
Contudo, apesar de toda a intenção e a premissa excelente
num roteiro bem construído e denso, que lembra em seus melhores momentos a estética
fotográfica e de designer de Vanilla Sky, com diálogos inteligentes e ágeis, e
um cuidado excessivo de direção de arte e arte conceitual, figurinos e trilha
sonora alarmista; Cosmópolis não é feito só de acertos.
A construção de personagens tão densos, onde o que importa
são os olhares e atitudes e não tanto as emoções – já que essas na teoria proposta
não se encontram mais- é falha, pela escolha de atores que não conseguem passar
tal densidade. E não falo so de Pattinson.
Apesar do ator estar correto em sua postura a La homens de
preto, ou em seus melhores momentos um Alex DeLarger do novo século, falta algo
natural, não só dele como de todo o elenco de apoio, para caracterizar nós
humanos como a bomba relógio que somos. Inconstantes nesse novo quadro de
realidade.
Grandes ratos primatas movidos a chips e moedas.
Falta verossimilhança no quadro, mesmo nas metáforas mais sarcásticas
de Cronenberg (como o tiro com a arma pré-programada, como a morte de um rapper
famoso ou mesmo no casamento fisicamente virtual.)
O filme peca na coesão fílmica de seus personagens. Se ele construísse um universo alheio, ficcional, tudo assumiria outro patamar. Mas não, ele se propõe a desmembrar nosso tempo, nosso dia a dia. Como se estivéssemos virados do avesso. Mostrar o que se esconde por trás de cada pagamento e troco.
Não convence.
O filme peca na coesão fílmica de seus personagens. Se ele construísse um universo alheio, ficcional, tudo assumiria outro patamar. Mas não, ele se propõe a desmembrar nosso tempo, nosso dia a dia. Como se estivéssemos virados do avesso. Mostrar o que se esconde por trás de cada pagamento e troco.
Não convence.
Cosmópolis por fim chega a seu ápice em toda a sequencia memorável
da cena do embate final entre Eric e sua possível ameaça. Os diálogos ali, as
ações, a cenografia, os detalhes, a trilha e a fotografia e mesmo as atuações
são soberbas e contem cada traço das melhores características que fazem o nome
David Cronenberg. A contraposição entre a Elite e o proletariado da sociedade.
Com planos desconexos e enquadramentos com profundidade
exasperada que conferem toda a tensão e descontrole mental de seu universo, Cosmópolis
tenta ser um salto em queda livre, sem conseguir completamente.
É como se o filme tal qual o enredo que conta, se perdesse
entre ser e estar ali na tela, sem saber muito a que veio e qual o sentido de
estar ali.
Cronenberg se propôs corajosamente a colocar Cosmópolis como
o novo Rato Branco de sua geração. Mas permanece sendo apenas um rato. Só um
rato.
E ninguém foi salvo.
“O dinheiro tomou o
poder.
Agora toda a
riqueza é riqueza para o seu próprio bem.
Não há outro tipo
de realidade. Como as pinturas o dinheiro também perdeu sua qualidade
narrativa.
O dinheiro esta
falando por si mesmo. É fantástico.
Ideia de tempo
vivendo no futuro. Dinheiro faz o tempo. O relógio acelerou o crescimento do capitalismo.
As pessoas pararam de pensar em eternidade e só se concentram nas horas.
Horas meditadas,
homens hora, usando o trabalho de forma mais eficiente.
Foi a capital cibernética
que criou o futuro.
Qual o tempo de um
nanossegundo?
10 vezes menos 9
libras.
Agora o tempo é um
bem corporativo. Pertence ao sistema livre de mercado.
O presente é difícil
de se encontrar.
Esta sendo sugado
para fora para dar lugar ao futuro incontrolável do mercado e dos
investimentos.
O futuro tornou-se
insistente.”
FICHA TÉCNICA
Diretor: David
Cronenberg
Elenco: Robert
Pattinson, Samantha Morton, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Kevin Durand, Juliette
Binoche, Sarah Gadon, Mathieu Amalric, Emily Hampshire
Produção:
Paulo Branco, Martin Katz
Roteiro: David
Cronenberg
Fotografia:
Peter Suschitzky
Trilha Sonora:
Howard Shore
Ano: 2012
País: França/
Itália/ Canadá/ Portugal
Gênero: Drama
Classificação:
16 anos
#Duas analises interessantes sobre o filme e as citações apresentadas durante o longa ( sobre Zbigniew Herbert): Cosmópolis e o Poeta Traido e Cosmópolis ou o filme de nosso tempo