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domingo, 30 de setembro de 2012

Critica: Cosmópolis - Mais Um Rato Na Roda




“Um rato tornou-se moeda monetária.” - Zbigniew Herbert

O socialismo tem como base a socialização dos meios de produção, o bem comum a todos e a extinção da sociedade dividida em classes. O capitalismo tem como objetivo principal a acumulação de capital através do lucro. 
Tempo versus futuro e dinheiro. isso é Cosmópolis.

A cidade de Nova Iorque está em tumulto e a era do capitalismo está chegando ao fim. Uma visita do presidente dos Estados Unidos paralisa Manhattan e Eric Packer (Robert Pattinson), o menino de ouro do mundo financeiro, tenta chegar ao outro lado da cidade para cortar o cabelo. Durante o dia, ele observa o caos e percebe impotente, o colapso do seu império. Packer vive às 24 horas mais importantes da sua vida e está certo de que alguém está prestes a assassiná-lo.

Cosmópolis, neologismo. À etimologia então: “cosmos” do grego kosmos, que significa ordem, organização; “polis” é transcrito diretamente do grego, e era o nome dado às cidades da Grécia antiga. Se as metrópoles (metró vindo do grego “meter” que significa mãe” são as cidades que agrupam sob suas arredores outras, filhas, a Cosmopolis é a cidade da organização rígida, de estrutura lógica. É a cidade de Eric Packer, é a mente de Eric Packer.

Baseado no livro homônimo de Don DeLillo, Cosmópolis é um roteiro que mostra um retrato assustador da nova Era.
São pessoas impelidas a esmo a viver o futuro, onde o presente não existe mais, se perdeu. Nessa cosmópole, Tempo e dinheiro se confundem nas medidas e ações. Muita informação, onde o novo de hoje, é o velho daqui um nano de segundos. O dinheiro e o capital que giram e definem o mundo. Onde nada mais é orgânico, tudo é programado. Uma sociedade de Caos e terror, de angustia e medo. Com estruturas físicas tão fortes, mas que escondem bases frágeis e terminais.

“- Gosto de andar de taxi. Não entendo muito de geografia, e consigo aprender muito sobre os lugares e a cidade perguntando aos taxistas de onde eles vieram.
-  Eles vem do horror e do caos.
- Exatamente!”.

Falas como essa são executadas numa monotonia extrema. A frieza caracteriza o palco em que o filme calca. Jovens, adultos sem inspiração, sem emoção, sem trejeitos, com ares mecânicos e objetivos. Sem instinto, sem se darem o luxo da falha ou da duvida. Pergunta atrás de pergunta numa mascara de tecnologia, soberba e vida inteligente. Sem paixão, sem vida, somente sobrevidas sobrevivendo pelo capital, não mais pelo ar.
O objetivo de Eric é claro: atravessar a cidade para cortar os cabelos e ponto final. Não interessa a ameaça de morte, não interessa os protestos que ele encontra pelo caminho. São eles justamente, juntamente ao sexo igualmente mecânico sem libido, que conferem um pouco de emoção a vida de um jovem gênio milionário e atormentado pelo meio em que vive.

O traço de humanidade orgânica do passado esta presente em momentos dispersos, como crianças tendo que assumir uma maturidade que não lhes cabe; ouvindo musica alta, em baladas, com luzes que distorcem sua realidade espacial, tomando pílulas e cegando as retinas nas telas iluminadas do computador. Sem ao menos poderem comprar uma cerveja legalmente – são crianças.
O próprio computador esta morrendo, o nome computador é velho, pertence a um passado que a sociedade atual tenta revisitar sem sucesso.
Cronenberg não abandona o terror, sua marca registrada. Com esse quadro ele traça um panorama que à medida que a narrativa avança, vai se tornando mais claustrofóbica, angustiante, assustadora e por isso mesmo maçante. Nossa vida se ressume há horas. Em um dia tudo muda. Nunca essa ideologia foi tão real e palpável como agora.
No meio do conturbado caminho a seu tão almejado corte de cabelo, nos deparamos com diversas paradas pelo caminho que salientam a máxima do filme: somos ratos. O dinheiro é um rato que nos persegue, mesmo mortos, nos traz doenças, uma infecção generalizada de esgoto, de defeitos. Ratos em rodas correndo sem cessar.
A própria limusine branca de Eric nos mostra esse mundo, onde sua poltrona assume o posto de trono. Um poderoso chefão pelo próprio bem.
Mas ele vai alem em seus questionamentos. Não é só no bolso e em volta que o tempo se apresenta ditatorial. A monarquia foi abandonada. Os bens da humanidade pertencem a quem pode pagar mais. – O tempo é cruel e absoluto organicamente, mesmo onde ele já fez questão de deixar tudo sintético.
Esse novo quadro, gerou seres humanos a um passo da loucura. A morte não assusta mais, a fome, a sede. A preocupação com o bem estar físico e emocional já não é prioridade, num mundo que só preza a procura e a oferta. Somos dados, números, não mais presença ou metafísica.

São jovens sem perspectivas, que só pensam em lucros sem saber como, tendo de enfrentar décadas de vivencia e responsabilidades e informações em semanas, são velhos que criam uma redoma de confusão entre o mundo que conheceram, entre as batalhas e revoluções que fizeram e deram errado, mesclando lembranças e desejos no mesmo patamar, numa conversa sobre taxis e mijadas numa barbearia que parece abandonada.

Os personagens aqui assumem o papel físico do capitalismo e seu povo. Cada personagem é uma peça num grande tabuleiro. O que vemos nada mais é do que os balanços da bolsa em carne e osso. Eric é o capitalismo, o novo capitalismo, protegido pelo meio, com nome em ascensão e com a estrutura em declínio.
“minha próstata assimétrica” – em dado momento da projeção, essa fala ressume bem toda a ideia do filme., uma vez que se parta da ideia de que a razão esta no corpo. Uma próstata assimétrica denomina normalidade, coesão, linearidade. Ao assumir sua próstata assimétrica, Eric busca o conceito de perfeição. Assim como o capital, o dinheiro, a humanidade. Sua maior força na realidade é sua maior fraqueza. Afinal não é pela busca da perfeição que se mantem o equilíbrio, e sim no imperfeito.

Contudo, apesar de toda a intenção e a premissa excelente num roteiro bem construído e denso, que lembra em seus melhores momentos a estética fotográfica e de designer de Vanilla Sky, com diálogos inteligentes e ágeis, e um cuidado excessivo de direção de arte e arte conceitual, figurinos e trilha sonora alarmista; Cosmópolis não é feito só de acertos.
A construção de personagens tão densos, onde o que importa são os olhares e atitudes e não tanto as emoções – já que essas na teoria proposta não se encontram mais- é falha, pela escolha de atores que não conseguem passar tal densidade. E não falo so de Pattinson.
Apesar do ator estar correto em sua postura  a La homens de preto, ou em seus melhores momentos um Alex DeLarger do novo século, falta algo natural, não só dele como de todo o elenco de apoio, para caracterizar nós humanos como a bomba relógio que somos. Inconstantes nesse novo quadro de realidade.
Grandes ratos primatas movidos a chips e moedas.
Falta verossimilhança no quadro, mesmo nas metáforas mais sarcásticas de Cronenberg (como o tiro com a arma pré-programada, como a morte de um rapper famoso ou mesmo no casamento fisicamente virtual.)
O filme peca na coesão fílmica de seus personagens. Se ele construísse um universo alheio, ficcional, tudo assumiria outro patamar. Mas não, ele se propõe a desmembrar nosso tempo, nosso dia a dia. Como se estivéssemos virados do avesso. Mostrar o que se esconde por trás de cada pagamento e troco.
Não convence.

Cosmópolis por fim chega a seu ápice em toda a sequencia memorável da cena do embate final entre Eric e sua possível ameaça. Os diálogos ali, as ações, a cenografia, os detalhes, a trilha e a fotografia e mesmo as atuações são soberbas e contem cada traço das melhores características que fazem o nome David Cronenberg. A contraposição entre a Elite e o proletariado da sociedade.

Com planos desconexos e enquadramentos com profundidade exasperada que conferem toda a tensão e descontrole mental de seu universo, Cosmópolis tenta ser um salto em queda livre, sem conseguir completamente.
É como se o filme tal qual o enredo que conta, se perdesse entre ser e estar ali na tela, sem saber muito a que veio e qual o sentido de estar ali.
Cronenberg se propôs corajosamente a colocar Cosmópolis como o novo Rato Branco de sua geração. Mas permanece sendo apenas um rato. Só um rato.

E ninguém foi salvo.

“O dinheiro tomou o poder.
Agora toda a riqueza é riqueza para o seu próprio bem.
Não há outro tipo de realidade. Como as pinturas o dinheiro também perdeu sua qualidade narrativa.
O dinheiro esta falando por si mesmo. É fantástico.
Ideia de tempo vivendo no futuro. Dinheiro faz o tempo. O relógio acelerou o crescimento do capitalismo. As pessoas pararam de pensar em eternidade e só se concentram nas horas.
Horas meditadas, homens hora, usando o trabalho de forma mais eficiente.
Foi a capital cibernética que criou o futuro.
Qual o tempo de um nanossegundo?
10 vezes menos 9 libras.
Agora o tempo é um bem corporativo. Pertence ao sistema livre de mercado.
O presente é difícil de se encontrar.
Esta sendo sugado para fora para dar lugar ao futuro incontrolável do mercado e dos investimentos.
O futuro tornou-se insistente.”






FICHA TÉCNICA

Diretor: David Cronenberg
Elenco: Robert Pattinson, Samantha Morton, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Kevin Durand, Juliette Binoche, Sarah Gadon, Mathieu Amalric, Emily Hampshire
Produção: Paulo Branco, Martin Katz
Roteiro: David Cronenberg
Fotografia: Peter Suschitzky
Trilha Sonora: Howard Shore
Ano: 2012
País: França/ Itália/ Canadá/ Portugal
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos

#Duas analises interessantes sobre o filme e as citações apresentadas durante o longa ( sobre Zbigniew Herbert): Cosmópolis e o Poeta Traido e Cosmópolis ou o filme de nosso tempo






sábado, 29 de setembro de 2012

Critica: Polisse



Muitas coisas são capazes de nos chocar no dia a dia e durante nossas vidas. Talvez o ato de violência e a injustiça sejam dentre eles os que mais nos chamam atenção e nos incomoda.
Quando a violência é cometida contra uma criança – expoente maximo de nossos instintos de proteção, simbolismo de nossa ternura, e pureza- o choque é ainda maior, causa revolta e choque; e muitas vezes gera a mesma violência contra seus causadores e responsáveis.
Polisse, causa a mesma sensação.

O filme mostra a rotina da Brigada de Proteção ao Menor, em Paris, na investigação de aliciadores de menores, trombadinhas, pais abusivos e pedofilia. Ao mesmo tempo, o imprevisível Fred (Joey Starr) deverá aprender a cooperar com a impassível Melissa (Maïwenn), fotógrafa enviada pelo Ministério do Interior para realizar um livro sobre o trabalho da corporação.
Com direção e roteiro de Maïwenn, que também atua no longa, Polisse - Vencedor do prêmio do júri no Festival de Cannes de 2011 - é um retrato muito verossímil do cotidiano dos policiais que dedicam suas vidas no combate a violência e garantia de bem estar de menores de idade.

Com um ar documental, que lembra um pouco o filme “Entre os muros da escola”, o filme traça um panorama amplo de todas as repartições da Brigada de Proteção ao Menor, bem como revela a vida pessoal, e a relação Profissional versus Pessoal de seus policiais.
O filme mostra apenas situações baseadas em fatos reais, que foram observados pela diretora, pelo tempo em que acompanhou a rotina da Divisão de Crimes contra Menores da policia francesa.

O filme constrói uma narrativa elucidativa que critica desde as leis mornas dos países  ate a convenções políticas e a “cara” que a policia assume aos cidadãos. Sempre em tom de tensão, e repleto de cortes secos e planos longos, o filme só quebra a narrativa de urgência e dramaticidade quando nos leva a conhecer um pouco dos momentos de descontração do grupo da Brigada. Seu lado humano. Seus problemas pessoais.
Desde o inicio a trilha sonora que não é recorrente, é aliada a cenas de crianças que foram estupradas pelos próprios pais, a crianças que são obrigadas a vender o corpo em troca de proteção a suas mães. Tudo com um trabalho espetacular de atuações mirins que conferem um ar de realidade chocante. Em pouco mais de 30 minutos de projeção o espectador se vê completamente imerso naquela realidade a ponto de se esquecer de que cada fala, cada rosto ali é ensaiado.

A quebra do tom documental é feita pela fotografia em tons mornos, com paleta de cores em tons de cinza quase a todo o momento, que adquiri um tom mais pesado e alaranjado quando se trata da vida pessoal, residencial de seus personagens para conferir o tom de amargura e melancolia.
De todos os personagens de tão naturais que soam, os que mais nos chamam atenção de imediato é Fred e Iris.
Fred protagoniza um dos momentos mais tocantes da projeção, ao se agarrar fortemente a uma criança que é obrigada a se separar da mãe. Mas é Iris que esconde toda a narrativa. Não se enganem ela é a protagonista da historia, como fica claro próximo ao final do filme.
Maïwenn que assume a persona da fotografa, surge apenas como uma observadora da trama, mesmo que protagonize o momento romântico de quebra da narrativa do longa. E isso é espetacular.
Ao se introduzir na trama, Maïwenn se coloca na posição de maestro e musico e musica de sua obra. E talvez seja exatamente esse o grande trunfo da estrutura fílmica de Polisse. Talvez, seja por esse motivo que ele, que tinha tudo para se tornar um filme sintético e mecânico demais, adotar um tom tão orgânico e real.

A começar pelo seu titulo, Polisse (que faz alusão à palavra Poliss, que é o modo com que as crianças conseguem pronunciar o nome da policia) o filme traz em sua direção de arte elementos elucidativos de presenças infantis em seus detalhes (vide cartaz do filme). Repleto de takes com olhares e trejeitos.
É a festa por terem salvado um bebe, é a piada ao presenciarem um depoimento de uma menina que fez sexo oral nos colegas para recuperar seu celular, é a tensão de um treino de tiro ao alvo.
Polisse, assume reflexões e discussões há tanto tempo corriqueiras em nossos debates e pensamentos, que ferem, chocam e assustam. Traçam um universo global, onde o futuro do mundo, que esta sobre os olhos e mãos de crianças que aparecem apagadas, frias e perigosas, onde um deslize pode separar o erro da fatalidade.

Polisse é como um choro de um bebe: forte, potente, angustiante e ainda assim belo em sua perfeição. Um ótimo filme.





Ficha Técnica: 

Elenco: Karin Viard, Marina Foïs, Joey Starr, Nicolas Duvauchelle, Maïwenn, Karole Rocher, Emmanuelle Bercot, Frédéric Pierrot, Arnaud Henriet, Naidra Ayadi, Jérémie Elkaïm
Direção: Maïwenn
Produção: Alain Attal
Roteiro: Maïwenn, Emmanuelle Bercot
Fotografia: Pierre Aïm
Trilha Sonora: Stephen Warbeck
País: França
Classificação: 14 anos








sábado, 22 de setembro de 2012

Crítica: Heleno – O Príncipe Maldito

O Desbrilho de Uma Estrela e o Filme Fora de Campo 
Heleno – O Príncipe Maldito 





“Haverá um tempo não muito distante em que eu serei compreendido.
Quando eu for rei.
E vocês, insensíveis idiotas, vão ser os primeiros a reconhecer que eu fui um rei.
Dizem que eu vou morrer de arrogância e empáfia; mas eu vivi disso.
Serei lembrado e vocês não!
Gentalha, inútil, humilde e insatisfeita...
Eu já disse que não preciso que vocês me entendam, que eu não preciso do carinho de vocês.
Eu brilho!”.



A década de cinquenta, ficou marcada como a década dos grandes avanços científicos, tecnológicos e mudanças culturais e comportamentais em todo o mundo. Foi a década em que começaram as transmissões de televisão, provocando uma grande mudança nos meios de comunicação. No campo da política internacional, os conflitos entre os blocos capitalista e socialista (Guerra Fria) ganhavam cada vez mais força. A década de 1950 é conhecida ate hoje como o período dos "anos dourados". 
Aqui no Brasil não era diferente. 
No futebol, por exemplo, o Brasil se preparava para receber a Copa Do Mundo em seu recém-inaugurado Maracanã, onde nosso maior futebolista da época se consagraria campeão do mundo. Não foi isso que aconteceu. 
O Brasil perdeu para o Uruguai pelo placar de 2 a 1, e Heleno de Freitas jamais pisou em campo.

Com direção de José Henrique Fonseca, e baseado no livro “Nunca houve um homem como Heleno”, do jornalista Marcos Eduardo Neves, o filme “Heleno – O príncipe Maldito”, conta a historia de um dos maiores jogadores de futebol sul-americano da historia. 
O jogador de futebol Heleno de Freitas (Rodrigo Santoro) era considerado o príncipe do Rio de Janeiro dos anos 40, numa época em que a cidade era um cenário de sonhos e promessas. Sendo ao mesmo tempo um gênio explosivo e apaixonado nos campos de futebol, além de galã charmoso nos salões da sociedade carioca, tinha certeza de que seria o maior jogador brasileiro de todos os tempos. Mas seu comportamento arredio, sua indisciplina e a doença (sífilis) foram minando o que poderia ser uma grande jornada de glória, transformando-a numa trágica história. 
Essa é a premissa. Essa é a historia, essa é a proposta, mas não foi bem assim que a banda; ou melhor; que a partida rolou.

Com uma narrativa confusa, um roteiro com ótimos diálogos, mas com profundos erros de estrutura e coesão de intertextualidade, o filme peca demais em tentar mostrar um personagem atormentado e sem traços de empatia, e ainda assim emocionar o publico.
Para que haja um arco dramático valido é preciso que se crie uma narrativa no qual cada ato do personagem central forneça algum tipo de redenção no final, seja ela qual for.
O enredo, a vida de Heleno tem todo um arco narrativo precioso para se contar uma boa historia, principalmente pelo período em que Heleno viveu. 
O mundo vivenciara duas terríveis guerras mundiais (Heleno nasceu na década de 20), num período fértil para os avanços tecnológicos, políticos e sociais do planeta. Aliados a um temperamento explosivo, a paixão pelo futebol e todo o drama pessoal, como a doença que detinha e consequentemente os problemas mentais que adquirira ao longo do caminho, o diretor José Henrique Fonseca tinha um alicerce extenso de possibilidades para fazer de Heleno – o filme- uma obra prima ou no mínimo uma película interessante. E isso não acontece.

O que vemos durante as quase 2horas de projeção, é um personagem inconstante, sem traços de empatia por ninguém, alem da família- que alias mal aparece, e é raramente citada- briguento, confuso; literalmente um 'borra-botas', mulherengo, beberão e viciado em cigarros. Não há toque humano nele, não há motivos aparentes para toda essa birra, todo esse sofrimento existencial que o personagem parece ter, não existe causa motivo ou razão, origem para tal panorama criado. O longa parece partir do pressuposto de que todos que assistem ao filme, já estão inseridos no mundo de Heleno, no período histórico ao qual ele se passa, e principalmente ao livro ao qual ele é baseado. Não há explicação alguma sobre nada.
O filme só deixa claro que Heleno era problema e ponto. Ele jogava futebol e ponto. Ele era devoto ao botafogo e ponto. Ele gostava de mulher e ponto. E ele queria ser rei e ponto.
Nada mais.
O filme é amparado por uma magnífica direção de arte, que teve o cuidado de induzir detalhes pequenos para transpor a sensação de que realmente estamos nos anos 40/50. O figurino, a utilização de tecidos lisos, a ambientação desde as ruas, objetos de cena e mesmo a caracterizações de figurantes. Tudo molda um cenário fabuloso e impressionantemente verossímil do Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro dos anos 50. 
Aliado a uma trilha sonora repleta de bolero e musica clássica, e uma edição de som razoável; o ponto alto do filme, contudo fica para a sua fabulosa fotografia em Preto e Branco luminosa, chefiada por Walter Carvalho. 
Contrastes de preto e branco que tenta- sem sucesso – se assemelhar aos filmes noir da década de 30, com texturas granuladas e desfoque, as imagens reproduzidas impressionam pela ousadia e pelo esmero.
Os enquadramentos e planos também são muito bem produzidos e filmados, que dão o tom acertado em mostrar o desequilíbrio mental de Heleno. 
Isso é visto quando o enquadramento aparece em transversal, as sombras desaparelhadas, as formas e figuras que assumem desnivelamento. As cenas em que a câmera surge tremida ou acompanhando o movimento do personagem. Em especial uma bela cana em que Heleno (Santoro) aparece em meio a uma crise de nervos olhando diretamente para a tela. A utilização de espelhos e alguns momentos esfumaçados. É Lindo de se ver, ainda mais se considerarmos ser uma produção brasileira que não tem o costume de apostar em tais recursos estéticos.
Alias, a escolha da produção em Preto e Branco foi um acerto.  
Isso nos passa a nítida sensação de que estamos no mundo de Heleno, em sua mente, e não apenas vendo sua historias.
Nesse ponto, podemos pressupor que foi essa a intenção dos roteiristas. O filme parece querer nos mostrar apenas a confusão de Heleno, suas paranoias, seus medos, sua inconstância.  Sem se preocupar em dar dados históricos ou mesmo sobre o próprio personagem. O que parece importar ali é apenas a mente confusa de Heleno.  A Montagem do filme é feita assim, com flashes, sem linearidade na edição, as elipses de tempo passeiam em segundos pelo tempo e espaço sem explicação e sem nos dar chance de nos situarmos, não há o mínimo indicio dessa mudança alias, nem através da imagem - os tons nunca mudam - e nem pela trilha sonora. Só se percebe que estamos diante de outra época, pela caracterização de Heleno, pela maquiagem apresentada – que é exemplar, ao nos mostrar os efeitos que uma doença como a sífilis, aliado a uma vida desregrada de vícios podem causar-.
Se foi essa a intenção, ok! Mas duvido...

Saímos da projeção, com a nítida sensação de que não conhecemos o tal aclamado Heleno de Freitas. saímos da projeção com a sensação de engano. Um filme de futebol que não é sobre futebol. é sobre um jogador de futebol. Mas nem isso fica claro. Ele poderia ser um sapateiro, que não faria diferença nessa construção de narrativa.

Mas nem mesmo esses erros, que deixam o filme a desejar, e que entristece por causa do excelente trabalho técnico, são suficientes para descartar completamente o filme. A projeção se firma e se segura única e exclusivamente pela atuação impar e monstruosa de Rodrigo Santoro.
Varios quilos mais magro, com trejeitos surpreendentes e um trabalho de voz e corpo intenso, Rodrigo encarnou o personagem de maneira sublime. É ele que dá o tom exato de cada cena, de cada drama. 
É o tipo de atuação instintiva. Há uma cena em particular, onde Heleno já no sanatório esta participando de uma confraternização com seus colegas de hospital - onde suspeito que ao menos alguns dos figurantes ali realmente possuíam algum tipo de transtorno psicológico-; em que a câmera permanece gravando enquanto eles conversam amenidades e Rodrigo Santoro interage com um deles, oferecendo-lhe um cigarro, ao que o outro recusa veementemente. 
Essa cena não acrescenta em nada na projeção como um todo, mas é indispensável para mostrar a relação e o trabalho do ator ao se somar tão intensamente ao papel  ofertado. 
É o tipo de atuação que é impossível não ficar admirado e aplaudir de pé cada movimento do ator em cena. Memorável.

O filme ainda conta com a atuação de Aline Moraes como Silvia, a espoça de Heleno (que na realidade se chamava Elma); Angie Cepeda como a cantora de cabaré e amante do jogador (numa tentativa obvia de caracteriza-la como a referida Rita Hayworth ), e Othon Bastos.

Vale deixar registrado que o filme cria uma alusão ao clássico filme Gilda (Gilda, 1946), de Charles Vido, com a famosa atriz estadunidense Rita Hayworth; tanto pela comparação que os torcedores do botafogo faziam com Heleno à época devido a seu temperamento bruto, semelhante a da personagem, quanto na escolha pelo Preto e Branco, pela tentativa Noir de ser, e pela trilha sonora.

A sensação que fica é que sim, Heleno - o Filme vale a pena, tem seus méritos, principalmente pela ousadia de seu projeto e pelo bom gosto e pela atuação memorável de Rodrigo Santoro, que este sim conseguiu se firmar Rei aqui.
Mas se como o dialogo inicial, no monologo de Heleno, logo no inicio da projeção dizia, que “haverá uma época em que o mundo compreendera e saberá quem foi Heleno de Freitas”, infelizmente o tempo gasto com a projeção é perdida. 
Teremos que continuar a esperar essa época chegar. 
O jogador pode ate ter brilhado, mas o filme permaneceu piscando, num amistoso sem nenhum gol de placa.

“...Olho no lance...!”



Trailer Oficial: 



FICHA TÉCNICA:

Diretor: José Henrique Fonseca
Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Othon Bastos, Herson Capri, Angie Cepeda, Erom Cordeiro, Orã Figueiredo, Henrique Juliano, Duda Ribeiro
Produção: José Henrique Fonseca, Eduardo Pop, Rodrigo Teixeira, Rodrigo Santoro
Roteiro: José Henrique Fonseca, Felipe Bragança, Fernando Castets
Fotografia: Walter Carvalho
Duração: 116 min.
Ano: 2010
País: Brasil
Gênero: Drama
Cor: Preto e Branco
Distribuidora: Downtown Filmes
Classificação: 14 anos