“Eu realmente acredito em carma. E acho que essa situação entrou em minha vida para que eu pudesse aprender uma importante lição para crescer e me desenvolver espiritualmente. Posso me ver me transformando em alguém como a Angelina Jolie.”
Alexis Neiers, 18 anos- Membro da Gangue The Bling Ring
durante declaração à policia sobre seus crimes.- Ela é interpretada por Emma
Watson no longa sob a personagem ‘Nicki’.
Sofia Coppola se destaca no mundo cinematográfico por uma característica
bem peculiar: o de conseguir mesclar tramas de cunho complexo e intrínsecos,
numa narrativa e estética aparentemente superficial e simples. No geral, seus
filmes têm um ‘Q’ de estética de vídeo clipes, são filmes artísticos, não
comerciais e que por isso se embrenham em circuitos alternativos, mas sempre
estão presentes em premiações e mostras ao redor do mundo. A princípio pelo
sobrenome de peso que carrega vindo do pai, mas atualmente por mérito próprio,
principalmente depois das indicações e do Oscar ganho por roteiro original com “Encontros
e Desencontros’ seu filme mais famoso em sua pequena, mas invejável filmografia.
Explicar a sensibilidade e peculiaridade de Sofia é pertinente,
pois para compreender sua nova obra Bling Ring, é se embrenhar nas características
que a fazem ser a cineasta que é e entender as escolhas que fez para contar
essa historia fantástica, baseada em fatos reais, e que fazem desta película um
dos melhores lançamentos desse ano.
Primeiro vamos a historia real: Entre os anos de 2008 e 2009
um grupo de adolescentes com idades entre 17 e 18 anos de idade, moradores dos subúrbios
ricos de Los Angeles efetuaram uma serie de crimes, entre roubos e
arrombamentos, a mansões e casas de famosas celebridades. Entre elas Paris
Hilton, Lindsey Lohan e Orlando Bloom. Eles: Courtney Ames, Tess Taylor, Rachel
Lee, Nick Prugo e Alexis Neiers, foram presos e condenados a cerca de 4 anos de
prisão, depois de um saldo de mais de US$3 milhões em roubos. O caso ficou
conhecido como 'o caso de Calabasas', e os garotos foram intitulados como a
Gangue “The Bling Ring” uma expressão que denota futilidade luxuriosa, é usada
para retratar em diversos contextos algo com cunho de ostentação.
Vamos ao filme: Baseado no artigo ‘Os Suspeitos Usavam
Louboutins’, da jornalista Nancy Jo Sales para a Vanity Fair, o longa da
Coppola retrata essa série de invasões deste referido grupo de adolescentes a
casas de famosos.
Numa espécie de falso documentário, Sofia Coppola escolhe
entre montagens que se assemelham às típicas de programas de reality-show e programas de ‘fofocas’
a lá TV Fama e TMZ, e uma edição lenta, por vezes contemplativa, tratar do
assunto de maneira simplesmente demonstrativa. É como se Bling Ring fosse um
painel, sem julgamentos ou justificativas que apenas mostra os fatos, tal qual
um documentário comum, porem não é assim. Há julgamentos sim, há a visão de
Sofia sobre o assunto e seu mundo, mas de forma sutil.
O filme inicia-se com as imagens de uma câmera de segurança,
mostrando os 5 jovens pulando os portões baixos de uma mansão e logo em seguida
escapando da-li com uma grande carga de mercadorias, entre roupas, bolsas,
sapatos, joias e quadros.
Logo em seguida, caímos num emaranhado de imagens pontuadas
por trechos de um interrogatório, ora
por imagens de casas luxuosas e carros caros, tudo ao som de uma trilha sonora
alta, potente e atual, numa espécie de eletro rock, com um ‘pé’ no hip pop.
Essa é a base para transitarmos por câmeras estáticas, câmeras na mão,
intercalações de câmeras de vários formatos, tudo numa fotografia clara, clean,
com luz por diversas vezes estourada e monocromáticas- o branco, dourado e
prateado dominam muitas vezes as casas dos quinteto protagonista.
Isso serve justamente para nos
por a par da superficialidade e riqueza daquele mundo. Quando Marc (Israel
Broussard) um garoto aparentemente tímido, sem amigos chega a escola alternativa
destinada a jovens infratores, expulsos de suas antigas escolas, porem para
jovens de famílias ricas ou ‘endinheiradas’, ele logo é abordado por Rebecca (Katie Chang), garota de uma beleza que
prende a atenção, bem vestida de salto alto que logo o convida para seu circulo
de amigos. Assim, logo Marc conhece Chloe ( Claire Julien), Sam, (Taissa
Farmiga) e Nicki (Emma Watson). Logo no primeiro dia, Marc confessa sua
aparente homossexualidade a Rebecca e esta por sua vez, sem temer ou fazer cerimônia,
o coloca dentro de um aparente hobby comum dela: Invadir casas e abrir carros
para fazer pequenos roubos. Não, nenhum deles precisam do dinheiro. O ato é
apenas por diversão, lazer, anti-tédio, por que é fácil.
Isso porque Los Angeles, a parte
Hollywoodyana – não teme roubos ou assaltos. É um lugar onde só convivem a alta
classe daquela sociedade.
Em seguida o roteiro assinado
também por Sofia, nos conduz numa sucessão de furtos, roubos, arrombamentos –
dessa vez na companhia dos já Cinco íntimos amigos, a casas de famosos. O
esquema funcionava dessa forma:
‘Olha, a paris Hilton estará num evento em Miami
“// “Serio? E onde ela mora, pode verificar para mim no Google?”// “É perto
daqui, vamos ate lá?”
Assim. Simples, rápido, fácil. Literalmente
o crime a um clique de distancia.
Essa forma de conduzir a
narrativa através da superficialidade inclusive da própria narrativa sem se
importar ou se deter em se aprofundar em temas como o uso indevido de drogas, a
maneira como as mansões e as ruas de Los Angeles não tem segurança, como as
informações privativas estão a fácil acesso na internet, como tais jovens de famílias
estabelecidas decidem se embrenhar num mundo tão perigoso e fútil; não importam
para Sofia. Por que Bling Ring mostra a visão da ostentação. A visão de jovens
e pessoas no geral que veem na fama o alicerce de suas vidas. Num mundo onde a independência,
o acesso a informações, as possibilidades e o vazio comum do século dentro das
pessoas é tão presente no nosso dia a dia. O roubo é apenas uma catarse para
impulsionar a adrenalina do ato. O principal objetivo é ostentar.
Roubar e
postar as fotos junto as joias, e marcas famosas, no Facebook. Contar sem
discriminação o que fizeram com a sensação de que estão arrasando. E arrasam!
Em seus mundos, eles se tornam espelhos e não mais sombras de suas celebridades
que tanto admiram. Nas mãos de qualquer outro diretor, tal trama não resistiria
em traçar um caminho inverso, talvez semelhante aos “Os Bons Companheiros” ou “Trainspotting”
ao se embrenhar fundo naquela sociedade e mundo decrépito que escolheram
retratar. Teríamos um Bling Ring profundo, de cunho dramático. O que não seria
ruim. Porem não pertinente com a proposta se Sofia. O que Sofia quis mostrar,
como sempre demonstra em seus trabalhos, é o vazio dessa juventude, o vazio do
mundo ao qual ela mesma faz parte, a banalização de conceitos éticos e morais,
o descaso muitas vezes dos pais de tal juventude que alimenta com dinheiro e
não com valores. Ela mostra o mundo que vemos diariamente e ao qual
participamos,. Através das fotos que postamos em nossas contas virtuais, em
como nos sentimos importantes ao sair com um tênis caro nas ruas, em como
admiramos e imediatamente amamos ou odiamos o dono da Ferrari que passou na
rua. Sofia mostra como aos poucos a sociedade começou a cultuar e criar seres
de marfim e diamante, sem nada por dentro. Ou melhor, sem nada aparente por
dentro.
Porque quando analisamos Chloe, Nick, Mac, Rebecca e Sam, vemos
transtornos de cinco jovens que querem ser mais do que são. Que nasceram sobre
o ouro, mas que querem um sentido para aquele ouro ao qual possuem. Que querem
ser vistos, mesmo que seja por seus Chanel, Gucci, Tiffany, Cartier e Marc
Jacobs.
Aliada a uma trilha sonora
certeira com destaque para a faixa de abertura "Crown on the Ground" do Sleigh Bells, e que vai de Azealia Banks e Kanye West a Rihanna, Frank Ocean e MIA; que sintetiza esse mundo tanto nos sons como em suas letras e
artistas, o filme ainda tem o ponto positivo de trazer atuações comedidas, mas surpreendentes.
Ainda que Emma Watson roube as cenas em que aparece, seja pelo seu talento
natural em emprestar olhares e entonações coerentes para sua Nicki mesquinha e cínica,
que alias é a personagem mais engraçada de um modo ruim, pois ela dentro os
cinco é a mais superficial de todas, a típica patricinha tal mãe tal filha que
só quer ser a Angelina Jolie- como sua mãe ensina-a a ser, baseada nos
ensinamentos de 'O Segredo'- que se entope de antidepressivos e calmantes, dados
pela própria mãe, e que tem uma das melhores cenas do longa que é o final, com
sua entrevista onde ela olha diretamente para a câmera; é de Katie Chang e Israel
Broussard, o destaque. A dupla é a protagonista do longa e seguram com um
amadurecimento surpreendente as cenas que exigem ora que demonstrem a escassez
de seus personagens ora a profundidade exalada pelo olhar de ambos e a tensão crescente
na relação de amizade intensa que ambos adquirem no longa. Assim como Claire
Julien e Taissa Farmiga que estão corretas em seus respectivos papeis.
A única falha de Bling Ring esta
talvez na escolha ou falha de colocar ao publico, nós, o conhecimento de uma
cena em que seguranças pessoais de uma das celebridades roubadas, veem um vídeo
de uma das invasões onde Marc surge claro nas imagens, e logo depois o filme
segue por mais meia hora sem nenhuma volta à cena. Ela não tem nenhum sentido
dentro da narrativa.
Seja na demonstração certeira de
mostrar o tom cínico e preocupante de Nicki quando numa montagem genial, é
mostrado ela entediada pedindo para irem roubar, para logo em seguida mostrarem
ela convincentemente mentindo e dizendo ser vitima dos amigos aos policiais, seja
pelo longo plano em que é mostrado Chloe em casa com a família numa cozinha
muito clara, em total frieza de relacionamento interpessoal, onde apenas com o
som de sirenes de carros de policia aumentando ao fundo, vemos ela percebendo
aos poucos que sua prisão esta eminente enquanto seu pai lê uma noticia no
jornal, seja pela imprudência demonstrada por seus atos através do roubo de uma
arma carregada, e levada por Sam ate a casa de seu namorado, onde a mesma
dispara por acidente e ainda assim nenhum dos dois se preocupa ou se alarma com
o ocorrido, ou seja pela fala de Marc a investigadora que cuida do caso após
serem presos, quando ele cita que ele mesmo se impressiona em como ele ficou famoso,
como as pessoas fizeram fã clubes para ele, dizendo que o amam, como ele
recebeu num único dia mais de 800 solicitações de amizade no Facebook não por
uma ação altruísta mas justamente por algo que aparentemente prejudica a
sociedade, e ele ainda destaca o como a sociedade americana é fascinada pela
vibe ‘Bonnie & Clyde’ de ser; Bling Ring é uma interessante e pertinente
pré-tese acerca de uma realidade crescente em nossa sociedade e o declínio desenfreado
na mesma frente a nós – o que dizer da sequência em que os jovens; Rebecca e
Marc; entram pela primeira vez na mansão de Paris Hilton, repleto de
fotografias dela mesma estampando cada centímetro quadrado do vasto local?-.
Ainda que este esteja para ‘Bonnie
& Clyde’ como ‘Os Bons Companheiros’ esta para ‘Trainspotting’, Bling Ring
é sim um filme para ser visto analisado – Alias, ate talvez seja o equivalente
aos referidos filmes citados para nosso novo século - , principalmente a ser
discutido e para ser usado como alerta de uma vazio desenfreado, que seduz e
esta cada vez mais cheio. Por mais que pareça um filme direto, Sofia e seu
filme são existencialistas afinal.
Se no inicio conseguimos desejar
uma Rebecca em nossas vidas, conseguimos emoldura-la como uma ‘diva’, ao final,
nos sentimos tão culpados, mesquinhos e decrépitos quanto os cinco jovens
presos.
Coppola nos faz refém e cúmplices daqueles crimes, daquelas
declarações, daquelas desculpas e justificativas vãs. Ela nos coloca - seja
você jovem ou não - frente a um espelho, e deixa em nossas mãos o martelo, para
quebrarmos ele, ou para deixa-lo intacto e usar o martelo para quebrar apenas o Marfim que permeia os olhos daqueles que o assistem. Um bom filme.
Trailer:
Trailer:
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Annie Fitzgerald, Carlos Miranda, Claire Julien,
Emma Watson, G. Mac Brown, Gavin Rossdale, Georgia Rock, Israel Broussard,
Janet Song, Katie Chang, Leslie Mann, Lorenzo Hunt, Marc Coppola, Stacy
Edwards, Taissa Farmiga
Produção: Roman Coppola, Sofia Coppola, Youree Henley
Fotografia: Harris Savides
(Membros da Gangue Reais e seus respectivos Atores/personagens no Filme)