Dentro tudo o mais que fascina em Gravidade – novo filme de
Alfonso Cuaron ( Filhos da Esperança e Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban) depois de uma hiato pesaroso para o cinema de quase 7 anos - é a
historia. O enredo que de simples só tem a descrição, nos leva numa catarse
existencialista de superação. Cuaron realizou um filme de imersão na imensidão
do interior humano, a perda, a solidão, as duvidas, a falta de força em
continuar a sobreviver. Sim. Porque o que vemos em tela, não é uma personagem
que vive, somente sobrevive.
Ele projetou para o universo infinito todo o universo
interno da personagem da Sandra Bullock – a Dra. Ryan Stone -.
Porque Gravidade é um ensaio ou quase uma tese sobre o
interior humano quando este perde a essência do que nós faz existir. Que é a
busca por nos preservarmos. Por continuarmos. Somos seres evolutivamente sobreviventes.
Resistimos às adversidades, as catástrofes humanas e da natureza. Resistimos a
toda ameaça externa. Porem ainda continuamos a oscilar e perecer diante das
adversidades e ameaças internas, de nós mesmos. Depressão, solidão, luto diante
da perda. Tudo isso causa uma reação em cadeia de vazio, feito um buraco negro,
muitas vezes silencioso, onde nos vemos diante de um universo infinito, vasto,
perigoso, ameaçador onde a vida parece não caber. Ou ao menos a vontade de
permanecer nela. Gravidade usa metáforas e simbolismos diversos para isso. Para
nos apresentar o interior da Dra. Stone em toda a sua imaculada crise e luta
por sobreviver a ela mesma.
E Cuaron faz isso de forma impressionante. Gravidade serve
como Ficção cientifica, como drama, como suspense, como ação, como aventura.
Não importa a linha de gênero que você siga para contempla-lo. Todas funcionam.
Usando a lógica coerente dentro do espaço ao qual se situa,
Cuaron e sua equipe realizaram uma obra prima, que é caracterizada assim por
fazer jus a priori do Cinema, que a tempos vinha sido considerada perdida.
Esteticamente soberbo e tecnicamente impecável ( com o 3D mais bem executado já realizado talvez ate hoje, onde a imersão e a noção de profundidade é trabalhado de maneira fantástica.)- o filme faz uso dos recursos tecnológicos de
uma maneira sempre em função de sua narrativa, cientifica e filosófica. Poucas
vezes atualmente conseguimos vislumbrar um filme que utilize a imagem e o som
em comunhão tão esmerada e ciente do espaço fílmico ao qual esta inserido. A
graduação entre o silencio e o som apenas humano – respiração na maioria
das vezes- no espaço onde o som não se propaga é maravilhoso de se ouvir e sentir/constatar.
Porem o que faz do Cuaron um diretor espetacular, é seu
entendimento da linguagem cinematográfica, conseguindo conduzir a ciência a
tecnologia o rebuscamento técnico mesmo
com a emoção e o apelo humano de identificação do espectador para com seus
personagens e a historia. Nesse ponto, não há como negar, que não existiria Gravidade
sem Sandra Bullock.
Sandra assim como sua personagem, é a essência da condução
do filme. Suas expressões que variam gradativamente do pavor, ao medo, do
choque a resignação, da determinação a emoção, do alivio ao desespero. Uma
paleta de emoções e reações, contidas o que é condizente com a personalidade da
personagem que engrandecem ao longo do filme. E não é exagero dizer que em
determinada hora da projeção a sensação que temos é a de que ela é tão gigante
e vasta quanto o universo ao qual tenta sobreviver. Numa cena particular a atriz revela sua total
entrega a personagem, e entre latidos ela garante a fixação da mesma na memória
do espectador por muito tempo.
A Dra. Stone passa por um processo de refortalecimento. O
universo foi seu escape. E ali ela decide sim se projetar diante do nada, do vácuo,
e se insere na placenta que é o espaço para recriar a si mesma. Cenas como a metáfora
ao útero e ao cordão umbilical; onde Matt Kowalsky (George Clooney; numa
atuação correta de alivio cômico excelente) representa justamente a humanidade.
Nele esta refletido primeiro a segurança, a razão e a confiança, e depois o
desapego. Matt não esta ali apenas para dosar a tensão com a comicidade das
cenas. O personagem representa tudo aquilo, todo o suplemento que a Dra. Stone
precisa para coexistir novamente entre suas emoções e medos.
Ainda que os diálogos pareçam superficiais – o que de fato
são – e o próprio apelo sentimental que o filme assume da sua metade em diante,
pareçam forçadas, não são. Isso mostra o quanto o texto, o roteiro de Gravidade
foi planejado e pensado. Tudo serve para criar empatia no espectador que do
contrario jamais se conectaria aquela ‘gestação’.
Fotografia espetacular como já evidenciado – não poderia ser
diferentes, num contraste e regulamentação de cores, texturas e principalmente
de luz impressionantes, e uma trilha sonora edificante nos momentos corretos de
fazer qualquer pele se arrepiar.
É necessário também destacar um feito espetacular dentre
tantos que esse filme possui visualmente e semioticamente falando. Além das
cenas soberbas contendo reflexos dentro de reflexos – os espelhos no universo
já são simbólicos e poéticos por si só-, além das rotações de quebra de eixos –
uma vez que não há perspectiva nenhuma de certo ou errado no espaço em termos
de angulações, já que não há definição do que é em cima, embaixo, esquerda ou
direita, dando um campo livre de criação de planos para o diretor; uma cena
especifica merece destaque.
Num aparente plano sequencia com um close up que se
transforma numa transição com mudança de espaço físico (vai do exterior do
capacete da Dra. Stone para o interior, transformando a objetiva da câmera em
primeira pessoa, para logo em seguida retomar a objetiva externa de antes. A câmera
passei sem nenhum corte perceptível do espaço, para o interior do capacete,
para em seguida assumir o lugar da personagem.) E tudo isso sem cortes aparentes - o que é
impossível, porem é imperceptível e confesso que to abismado para querer saber
como ele fez isso com essa precisão sem quebras de condução. Somente por esse
take, Gravidade já merece aplausos.
Justificável ainda pelo seu titulo que alude diretamente ao
renascimento e a superação que a personagem enfrenta Gravidade em seu final,
nos transporta para um dos desfechos mais belos e intrigantes e discutidos dos últimos
anos, talvez desde 'A odisseia no Espaço' - onde há uma referencia proporcional
porem oposta.
Ora, se em ‘Odisseia no Espaço’, víamos a imagem de um feto
pairando sobre o universo com o Planeta Terra ao fundo. Aqui em ‘Gravidade’,
vemos um ser humano renascido, pisando em terra – solo- firme como se fosse à
primeira vez. O sapo no mar entre as algas marinhas após a bolsa ter estourado na
água – que simboliza a purificação – mostra uma sucessão de infinitos
simbolismos repletos de significo e beleza, que transcendem o próprio filme.
Gravidade é aquele tipo de filme que merece e deve ser
visto, revisto, Analisado, discutido, sentido, absorvido, refletido, pensado.
Escreveram mais sobre ele ao longo dos anos, matérias, teses, teorias, ensaios.
Um clássico instantâneo que nasce na imensidão e vai além dela. Colocando o
Cinema novamente como a arte sem limites.
Enfim. Um filme antes de todos os efeitos especiais e
tecnologias, e tensões; humano. Um filme poético. Que assim como a Gravidade
que faz Chover labaredas de fogo no céu, e que faz diante de uma luta poderosa
por começar a finalmente viver, um ser humano pisar firme no chão e levantar
indo contra a Gravidade que o puxa ao chão, nos puxa para dentro de nós mesmos
em um espetáculo; ou melhor; um parto inesquecível.
Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón, Rodrigo García
Elenco: Basher Savage, Eric Michels, George Clooney, Sandra Bullock
Produção: Alfonso Cuarón, David Heyman
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Montador: Alfonso Cuarón, Mark Sanger