O Desbrilho de Uma Estrela e o Filme Fora de Campo
Heleno – O Príncipe Maldito
“Haverá um tempo não muito distante em que eu serei compreendido.
Quando eu for rei.
E vocês, insensíveis idiotas, vão ser os primeiros a reconhecer que eu fui um rei.
Dizem que eu vou morrer de arrogância e empáfia; mas eu vivi disso.
Serei lembrado e vocês não!
Gentalha, inútil, humilde e insatisfeita...
Eu já disse que não preciso que vocês me entendam, que eu não preciso do carinho de vocês.
Eu brilho!”.
A década de cinquenta, ficou marcada como a década dos grandes
avanços científicos, tecnológicos e mudanças culturais e comportamentais em
todo o mundo. Foi a década em que começaram as transmissões de televisão,
provocando uma grande mudança nos meios de comunicação. No campo da política
internacional, os conflitos entre os blocos capitalista e socialista (Guerra
Fria) ganhavam cada vez mais força. A década de 1950 é conhecida ate hoje como
o período dos "anos dourados".
Aqui no Brasil não era diferente.
No
futebol, por exemplo, o Brasil se preparava para receber a Copa Do Mundo em seu
recém-inaugurado Maracanã, onde nosso maior futebolista da época se consagraria
campeão do mundo. Não foi isso que aconteceu.
O Brasil perdeu para o Uruguai
pelo placar de 2 a 1, e Heleno de Freitas jamais pisou em campo.
Com direção de José Henrique Fonseca, e baseado no livro
“Nunca houve um homem como Heleno”, do jornalista Marcos Eduardo Neves, o filme
“Heleno – O príncipe Maldito”, conta a historia de um dos maiores jogadores de
futebol sul-americano da historia.
O jogador de futebol Heleno de Freitas
(Rodrigo Santoro) era considerado o príncipe do Rio de Janeiro dos anos 40,
numa época em que a cidade era um cenário de sonhos e promessas. Sendo ao mesmo
tempo um gênio explosivo e apaixonado nos campos de futebol, além de galã
charmoso nos salões da sociedade carioca, tinha certeza de que seria o maior
jogador brasileiro de todos os tempos. Mas seu comportamento arredio, sua
indisciplina e a doença (sífilis) foram minando o que poderia ser uma grande
jornada de glória, transformando-a numa trágica história.
Essa é a premissa. Essa
é a historia, essa é a proposta, mas não foi bem assim que a banda; ou melhor; que a partida rolou.
Com uma narrativa confusa, um roteiro com ótimos diálogos,
mas com profundos erros de estrutura e coesão de intertextualidade, o filme
peca demais em tentar mostrar um personagem atormentado e sem traços de empatia,
e ainda assim emocionar o publico.
Para que haja um arco dramático valido é preciso que se crie
uma narrativa no qual cada ato do personagem central forneça algum tipo de
redenção no final, seja ela qual for.
O enredo, a vida de Heleno tem todo um arco narrativo
precioso para se contar uma boa historia, principalmente pelo período em que Heleno viveu.
O mundo vivenciara duas terríveis guerras mundiais (Heleno nasceu
na década de 20), num período fértil para os avanços tecnológicos, políticos e
sociais do planeta. Aliados a um temperamento explosivo, a paixão pelo futebol
e todo o drama pessoal, como a doença que
detinha e consequentemente os problemas mentais que adquirira ao longo do
caminho, o diretor José Henrique Fonseca tinha um alicerce extenso de
possibilidades para fazer de Heleno – o filme- uma obra prima ou no mínimo uma película
interessante. E isso não acontece.
O que vemos durante as quase 2horas de projeção, é um
personagem inconstante, sem traços de empatia por ninguém, alem da família- que
alias mal aparece, e é raramente citada- briguento, confuso; literalmente um 'borra-botas', mulherengo, beberão e viciado em cigarros. Não há toque humano
nele, não há motivos aparentes para toda essa birra, todo esse sofrimento
existencial que o personagem parece ter, não existe causa motivo ou razão,
origem para tal panorama criado. O longa parece partir do pressuposto de que
todos que assistem ao filme, já estão inseridos no mundo de Heleno, no período histórico
ao qual ele se passa, e principalmente ao livro ao qual ele é baseado. Não há explicação
alguma sobre nada.
O filme só deixa claro que Heleno era problema e ponto. Ele jogava
futebol e ponto. Ele era devoto ao botafogo e ponto. Ele gostava de mulher e
ponto. E ele queria ser rei e ponto.
Nada mais.
O filme é amparado por uma magnífica direção de arte, que
teve o cuidado de induzir detalhes pequenos para transpor a sensação de que
realmente estamos nos anos 40/50. O figurino, a utilização de tecidos lisos, a
ambientação desde as ruas, objetos de cena e mesmo a caracterizações de
figurantes. Tudo molda um cenário fabuloso e impressionantemente verossímil do
Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro dos anos 50.
Aliado a uma trilha
sonora repleta de bolero e musica clássica, e uma edição de som razoável; o
ponto alto do filme, contudo fica para a sua fabulosa fotografia em Preto e
Branco luminosa, chefiada por Walter Carvalho.
Contrastes de preto e branco que tenta- sem sucesso – se assemelhar
aos filmes noir da década de 30, com texturas granuladas e desfoque, as imagens
reproduzidas impressionam pela ousadia e pelo esmero.
Os enquadramentos e planos também são muito bem produzidos e
filmados, que dão o tom acertado em mostrar o desequilíbrio mental de Heleno.
Isso é visto quando o enquadramento aparece em transversal, as sombras desaparelhadas,
as formas e figuras que assumem desnivelamento. As cenas em que a câmera surge
tremida ou acompanhando o movimento do personagem. Em especial uma bela cana em
que Heleno (Santoro) aparece em meio a uma crise de nervos olhando diretamente
para a tela. A utilização de espelhos e alguns momentos esfumaçados. É Lindo de
se ver, ainda mais se considerarmos ser uma produção brasileira que não tem o
costume de apostar em tais recursos estéticos.
Alias, a escolha da produção em Preto e Branco foi um
acerto.
Isso nos passa a nítida sensação
de que estamos no mundo de Heleno, em sua mente, e não apenas vendo sua
historias.
Nesse ponto, podemos pressupor que foi essa a intenção dos roteiristas.
O filme parece querer nos mostrar apenas a confusão de Heleno, suas paranoias,
seus medos, sua inconstância. Sem se
preocupar em dar dados históricos ou mesmo sobre o próprio personagem. O que
parece importar ali é apenas a mente confusa de Heleno. A Montagem do filme é feita assim, com flashes,
sem linearidade na edição, as elipses de tempo passeiam em segundos pelo tempo
e espaço sem explicação e sem nos dar chance de nos situarmos, não há o mínimo indicio
dessa mudança alias, nem através da imagem - os tons nunca mudam - e nem pela
trilha sonora. Só se percebe que estamos diante de outra época, pela
caracterização de Heleno, pela maquiagem apresentada – que é exemplar, ao
nos mostrar os efeitos que uma doença como a sífilis, aliado a uma vida
desregrada de vícios podem causar-.
Se foi essa a intenção, ok! Mas duvido...
Saímos da projeção, com a nítida sensação de que não conhecemos o tal aclamado Heleno de Freitas. saímos da projeção com a sensação de engano. Um filme de futebol que não é sobre futebol. é sobre um jogador de futebol. Mas nem isso fica claro. Ele poderia ser um sapateiro, que não faria diferença nessa construção de narrativa.
Mas nem mesmo esses erros, que deixam o filme a desejar, e que entristece
por causa do excelente trabalho técnico, são suficientes para descartar completamente o filme. A projeção se firma e se segura única e exclusivamente pela atuação impar e monstruosa de Rodrigo Santoro.
Varios quilos mais magro, com trejeitos surpreendentes e um
trabalho de voz e corpo intenso, Rodrigo encarnou o personagem de maneira
sublime. É ele que dá o tom exato de cada cena, de cada drama.
É o tipo de
atuação instintiva. Há uma cena em particular, onde Heleno já no sanatório esta
participando de uma confraternização com seus colegas de hospital - onde
suspeito que ao menos alguns dos figurantes ali realmente possuíam algum tipo
de transtorno psicológico-; em que a câmera permanece gravando enquanto eles
conversam amenidades e Rodrigo Santoro interage com um deles, oferecendo-lhe um
cigarro, ao que o outro recusa veementemente.
Essa cena não acrescenta em nada
na projeção como um todo, mas é indispensável para mostrar a relação e o
trabalho do ator ao se somar tão intensamente ao papel ofertado.
É o tipo de atuação que é impossível
não ficar admirado e aplaudir de pé cada movimento do ator em cena. Memorável.
O filme ainda conta com a atuação de Aline Moraes como
Silvia, a espoça de Heleno (que na realidade se chamava Elma); Angie Cepeda
como a cantora de cabaré e amante do jogador (numa tentativa obvia de
caracteriza-la como a referida Rita Hayworth ), e Othon Bastos.
Vale deixar registrado que o filme cria uma alusão ao clássico
filme Gilda (Gilda, 1946), de Charles Vido, com a famosa atriz estadunidense
Rita Hayworth; tanto pela comparação que os torcedores do botafogo faziam com Heleno
à época devido a seu temperamento bruto, semelhante a da personagem, quanto na
escolha pelo Preto e Branco, pela tentativa Noir de ser, e pela trilha sonora.
A sensação que fica é que sim, Heleno - o Filme vale a pena,
tem seus méritos, principalmente pela ousadia de seu projeto e pelo bom gosto e
pela atuação memorável de Rodrigo Santoro, que este sim conseguiu se firmar Rei
aqui.
Mas se como o dialogo inicial, no monologo de Heleno, logo
no inicio da projeção dizia, que “haverá uma época em que o mundo compreendera
e saberá quem foi Heleno de Freitas”, infelizmente o tempo gasto com a projeção é perdida.
Teremos que continuar a
esperar essa época chegar.
O jogador pode ate ter brilhado, mas o filme
permaneceu piscando, num amistoso sem nenhum gol de placa.
“...Olho no lance...!”
Trailer Oficial:
FICHA TÉCNICA:
Diretor: José Henrique Fonseca
Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Othon Bastos, Herson
Capri, Angie Cepeda, Erom Cordeiro, Orã Figueiredo, Henrique Juliano, Duda
Ribeiro
Produção: José Henrique Fonseca, Eduardo Pop, Rodrigo
Teixeira, Rodrigo Santoro
Roteiro: José Henrique Fonseca, Felipe Bragança, Fernando
Castets
Fotografia: Walter Carvalho
Duração: 116 min.
Ano: 2010
País: Brasil
Gênero: Drama
Cor: Preto e Branco
Distribuidora: Downtown Filmes
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