Uma história de amor em meio a rígidas tradições. Um
pescador de uma pequena cidade peruana tenta conciliar uma nova paixão com o
casamento, sem poder levantar maiores suspeitas.
Essa é a sinopse oficial que é divulgada, mas não faz jus a
esse singelo grande filme peruano que conquista justamente por ir contra a
corrente de seus similares vastos por ai.
Contracorrente do diretor Javier Fuentes-León a principio
pode lembrar bastante ao brasileiro “Dona flor e seus dois maridos”, e não é
errado compara-los- a principio- uma vez que o próprio diretor revelou o gosto
por essa obra de Jorge Amado, numa clara referencia e homenagem. Alias o Brasil
permeia alguns detalhes e momentos da projeção, seja por citar novelas ou
grandes astros do passado de nosso país, ou mesmo nossa marca registrada o
futebol.
Porem, o que Contracorrente faz é sobrepujar preceitos ao
elevar a relação a três num patamar idílico, de forma crível e sensível, mesmo
que peque ao não se permitir cair no melodrama que aqui se justificaria e seria
passível de culpa.
O roteiro assinado pelo próprio diretor conta a historia de
Miguel, pescador humilde e líder de uma comunidade local no litoral do Peru.
Casado com Mariela, Miguel esta esperando o primeiro filho do casal. Muito
respeitado por todos da comunidade, Miguel é o responsável por levar os corpos
dos mortos ate o mar, onde ele os oferece como forma de purificação para que
suas almas possam descansar, de acordo com a crença local.
Porem um relacionamento extra-conjugal em total sigilo
assola sua mente e coração. Essa relação se dá com Santiago, um pintor e
fotografo gringo que é mal visto pela comunidade, pois recaem sobre ele
justamente suspeitas de sua sexualidade. Após uma briga intensa entre Miguel e
Santiago, uma fatalidade ocorre no mar, e Miguel se vê numa sucessão de duvidas
e escolhas que colocam em cheque sua vida e sua própria identidade dali para
frente.
Uma historia não tão incomum assim no cinema, um triangulo
amoroso, interrompido pela morte e a volta do amado. Porem o que o filme
consegue fazer é tornar essa relação tão natural, envolta em tantas duvidas
preconceitos, hipocrisia, que levanta inúmeras questões morais e éticas,
reflexões que acompanham o filme todo de maneira pontual e verossímil.
É a não aceitação do próprio Miguel com sua afeição por
Santiago, é a mulher Mariela, grávida, apaixonada, tentando resgatar um
casamento sem saber como, é o amor, e a devoção de Miguel pela mulher o filho e
o amante de maneira intensa e o sofrimento justamente por isso, é o medo e a
discriminação de amigos, são segredos, religião.
Tudo isso, é aliado a uma fotografia soberba, repleta de
cores típicas e marcantes latinas, o amarelo, o vermelho, o azul, o verde,
mesmo no litoral, a praia e o mar fundidos em takes com o deserto, numa clara metáfora
dos opostos em conjunção entre conflito e harmonia. A nudez e o sexo são
tratados de maneira usual sem ser apelativa, os quadros de filmagem assume
enquadramentos que nos remetem as próprias pinturas de Miguel, repleta de
detalhes e simetria, tais qual a direção de arte que se beneficia pelas
excelentes locações.
Mesmo se tratando de uma produção multinacional ( Peru,
Colômbia, França, Alemanha e Bolívia entre financiamentos e elenco), o filme
carrega uma identidade peruana forte, seja pelos costumes culturais locais bem
explorados, seja pela trilha sonora característica ou mesmo os figurinos que
não nos deixa esquecer nem por um segundo em que cultura estamos inseridos.
Um drama romântico carregado, mas que, contudo não consegue
se permitir em nenhum momento ser mais melodramática, falta lagrimas, falta o
choro que tal historia merecia produzir, um filme que é belo e coeso sim,
competente em seus diálogos e na construção de personagens complexos e fortes,
mas que não os deixa em nenhum momento – talvez com exceção do ultimo ato que é
brutalmente emotivo- ser piegas, no sentido bom da expressão. Falta emoção na
morte de Santiago, falta emoção nas brigas, nas discussões. Um pena.
Mas mesmo isso não apaga o trabalho fantástico da trama bem
amarrada.
Uma pequena grande obra que merece ser vista, discutida e
analisada, que tal qual seu nome propício é uma contra corrente na mesmice que
se encontra com tais temas hoje em dia.
Pertinente e usual.
Recomendo.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Javier Fuentes-León
Elenco: Tatiana Astengo, Manolo Cardona, Cristian Mercado
Produção: Javier Fuentes-León, Rodrigo Guerrero
Roteiro: Javier Fuentes-León
Fotografia: Mauricio Vidal
Trilha Sonora: Selma Mutal Vermeulen
Duração: 100 min.
Ano: 2009
País: Peru/ Colômbia/ França/ Alemanha
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
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