Faz um tempo já que me sinto acuado, exasperado, apreensivo,
incomodado, bravo, com raiva, desesperado, insone, tremulo e desamparado.
Mas vou voltar um pouco no tempo.
Há alguns anos, percebi que era na arte que estava minha essência,
minha priori de espírito. Era na arte que eu via tudo aquilo que minha alma
precisava transbordar, mas não sabia como. Era nas letras e melodias musicais,
nas pinturas e grafites pela cidade, nos livros e textos de poesia, nas danças
que expressavam além-carne criticas sociais e sentimentais. Diante disso,
encontrei no Cinema, sétima arte considerada por mim assim, por ser a única a
reunir todas as seis anteriores numa só e assim se tornar a sétima; a síntese de
onde eu encontraria paz em meu caos diário. Onde eu conseguiria me enxergar ao
transpor em imagens tudo aquilo que minha mente, coração e essência de vida martelavam
diariamente assim que eu despertava do meu travesseiro.
Assim, movi meus mundos para conseguir adentrar esse mundo,
estudar, absorver conhecimento, absorver vivencia absorver e viver desafios
dentro dela para me encontrar.
Cinco anos depois, e me sinto mais perdido do que quando
entrei.
Não me entendam mal, aqui, meu desabafo não é ao Cinema –
arte ou indústria – nem mesmo a vida tampouco em primeira estância.
Vejam. Após assistir a um documentário chamado The Square
que relata a luta do povo egípcio em busca de liberdade e direitos humanos,
contra a opressão política, fascista, religiosa instalada em seu país; senti-me
apático com a vida, num átimo de desespero que me levou as lagrimas e a cinematográfica
cena- quem diria ironicamente – de levar os braços ao redor das pernas,
chorando profusamente por um futuro onde não existo.
Explico.
A mais de dois anos, vejo minha realidade ser tomada pelos
chamados ‘cidadãos de bem’ que culminam seus ideais e filosofias muitas vezes
amparados na religião fascista que ao invés de pregar ou disseminar o sacrifício
de seu ‘deus’ na cruz, disseminam justamente as ideias e ideologias daqueles
que o pregaram e açoitaram.
Vivo num mundo que goza do status de ser globalizado, de ser
evoluído, onde cada dia mais há a liberdade de expressão vigorando, o direito
de opinar e saber, mundo afora, mas que retrograda tudo isso, diante de
atitudes medievais, anacrônicas e extremamente brutais contra seres humanos e
seres vivos da TERRA.
É uma sucessão de alienação e brutalidade defendida e
justificada que sinceramente não consigo compreender, atualmente como pode ser possível
ser aceita e disseminada.
São casos de torturas a minorias, são ataques a
homossexuais, condenação de estupro coletivo à mulheres, são seres humanos de
pele escura sendo discriminados por tons cromáticos, são casos de assassinato,
espancamentos, desaparecimento, humilhação, descaso... Tudo isso amparado por
uma parcela da sociedade global que não veem nada de absurdo nisso – ‘somos
cidadãos de bem’ eles dizem.
São leis e mandatos que apoiam um extermínio em massa de
cidadãos que só querem o direito que lhes competem por existir: viver.
São fascistas discriminadores e preconceituosos intolerantes
que ditam, ferem e propagam suas ideologias, presidindo cargos que deveriam
servir para representar os Direitos Humanos da população. DIREITOS. HUMANOS.
São mazelas políticas e militares que a cada dia mais se
aproximam de golpes e transformações políticas
e civis que prometem instaurar caça ‘as bruxas’ nos próximos anos – e notem que
o termo bruxaria aqui usada tende significar ‘diferença as normas padrões’.
Assim, eu, negro, Gay, pobre, filho de mãe – mulher – negra,
pobre, que nasceu e vive nas periferias da cidade, bolsista de uma universidade
de elite internacional, em síntese, um homem carregado na pele e na essência de
vida que tem por minorias discriminadas, e caçadas, pelo simples fato de ter
nascido e continuar a respirar, me sinto sufocado.
Feito peixe fora d ‘água. Incapaz de respirar. Saturado de
cansaço e desespero, num país e planeta, onde a sociedade não me permite sobreviver
e menos ainda viver como cidadão que sou.
Sinto-me desesperado, num mundo que não me respeita como ser
humano, que dia após dia, forma um alicerce de muros, paredões e rochas que
visam me massacrar, me exterminar.
Vivo a cada dia que passa com medo, medo de estar vivendo na
pele, na consciência o que meus ancestrais negros viveram. A diferença é que
não querem mais me dominar. Usar-me. Abusar-me. Querem me caçar, tornar valida
a caça e me sacrificar em nome de suas convicções que vão contra a vida, contra
o respeito, contra a bondade, contra tudo aquilo que em síntese deveria significar
ser humano. Sobre tudo aquilo que deveria nos diferenciar dos outros seres
vivos.
Sim, a anos adotei ideologias que veem de letras e
pensamentos como ‘O homem é o lobo do homem’, ‘Alguns caem por terra para
outros poderem crescer’, ‘O importante é ser você, mesmo que seja estranho ou
bizarro’. Sim, adotei tais ideologias que pra mim, são o resumo do que é ser um
cidadão verdadeiramente do bem – ‘do ‘e não ‘de’ – que me ensinou que tenho o
direito de exigir meu direito de ser quem sou de ser quem nasci de ser quem
minha consciência de mundo me diz que sou. Não o que os olhos de fora ditam.
Que me ensinou que o sistema é frágil, e que dia após dia estamos numa selva –
de pedra, concreto, aço, virtual – mas que ainda assim é selva, e que a cada
dia preciso lutar para sobreviver.
Mas nada disso me preparou para essa realidade exasperante
sem empatia, sem coerência, onde um homem, uma mulher é morta, espancado e
julgado por ser como é.
Onde negam direitos de vida para tais seres humanos
exercerem sua essência de amar e compartilhar amor.
Onde não há espaço para riso, somente para dor.
Me sinto desamparado, projetando um futuro onde daqui cinco
ou dez anos – talvez menos – voltem os ditadores, voltem o ode, onde qualquer violência
é justificável, onde eu me vejo cochilando repleto de cicatrizes em buracos nos
esgotos, nos subúrbios sem identidade, sem direitos reconhecidos, fugitivo de
uma resistência que se nega a admitir um retrocesso calcado em ódio e
separação.
De fato, tenho sonhos e pesadelos, onde corro, fujo e tento
resistir e ajudar a humanos espancados simplesmente por assumirem que são
negros, que são pobres, que são gays, lesbicas, transgênicos, que são
diferentes talvez na aparência, no jeito de ser, mas que no fundo assustam
mesmo por no final das contas serem iguais, numa igualdade que uma crescente
dia a dia maioria não quer aceitar ou se ver nela.
Sinto-me um Mutante. Em meio a Xavier’s e magnetos. E ainda
assim um estranho entre eles talvez eu seja um Mutante de fator desconhecido,
pois não acredito do ‘olho por olho, dente por dente’, e também não acredito
mais no ‘esconder-se, não sentir, demonstrar para ninguém saber’.
Não. Eu não quero mais apenas sobreviver. Eu quero existir.
Eu quero respaldo, da minha arte, a arte que citei que
deveria me mostrar vida, mas parece estar estagnada.
Vi em The Square, seu povo lutando e exercendo, mantendo
viva a arte mutável, registrando nas cores, pinturas, desenhos, rabiscos,
textos, vozes e imagens, musica e sons, sua historia.
Mas aqui, a minha volta não. Vejo textos sim, mas onde esta
o cinema? Meu cinema que me deu esperança e promessa de ‘lar’ exercendo seu
papel?
Outro dia na faculdade, foi explicado a mim que eu, prestes
a embarcar em meu TCC, deveria escolher temas que não causem polemica que não
causem divergências, pois estes não são bem vistos ou aceitos.
Não passam.
Vi isso como uma síntese do que vivo, onde tentar fazer o
correto em prol da humanidade é visto hoje como ‘politicamente incorreto’, onde
o que vale é cuidar do próprio nariz, cobrir o umbigo e esporadicamente jogar
uma moeda pro alto para poder dormir bem.
Sinto-me desamparado. Em desabafo; como este; sinto-me
perdido. Angustiado.
Não consigo conter as lagrimas de medo, de pavor em
constatar que dia após dia, hora após hora, a cada segundo gasto escrevendo essas
linhas, o mundo lá fora se fecha pra mim e pros meus- minorias – que tentam
apenas existir em consciência diante do caos de terror que se estende no
amanhecer.
Sombras disfarçadas de luz e morte disfarçada em flores e
arco Iris.
To com medo. To com medo. E não sei pra quem pedir ajuda.
To com medo. Com medo.
1 comentários:
E Will, viu o que está rolando na Uganda? Homossexuais que são presos por serem homessexuais e mulheres proibidas de usar mini saias! É irônico que um povo que sofreu tanto com o preconceito não tenha aprendido com seu próprio drama. O ser humano é excêntrico no bom e no pior dos sentidos.
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2014-02-16/obama-adverte-uganda-sobre-lei-anti-gay.html
http://noticias.terra.com.br/mundo/africa/nova-lei-preve-prisao-perpetua-a-homossexuais-na-uganda,d50b7345fe134410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/uganda-aprova-lei-que-proibe-uso-de-minissaia
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