Sin-ae é uma jovem mãe que se muda com o filho pequeno Jun para
Milyang, uma cidadezinha onde o falecido marido nasceu. Tão logo ela começa a
se organizar para dar início a uma nova vida, um outro acontecimento trágico
muda o curso de seu destino.
O filme do sul coreano Chang-dong Lee, Secret Sunshine (ou O
Sol Secreto em tradução livre para o português// e Milyang no original) traça
uma extensa analise de dor, desespero, sofrimento, busca pela fé e a perda
dela, numa obra densa, pesada e extremamente bem executada.
Se em Poesia (Poetry) Chang-dong Lee havia nos presenteado
com um filme denso mas delicado ao tratar dos tormentos da vida versus suas
belezas, aqui em Secret Sunshine ele se mostra cru, muitas vezes cruel ao
transpor a tela os conflitos mais ínfimos e profundos do sofrimento humano,
caracterizados pelo luto interno e externo de uma mãe viúva.
Sin-ae após o falecimento de seu marido, resolve abandonar
tudo e se mudar com seu filho pequeno Jun para a cidade natal de seu falecido
esposo. A Cidade é Milyang. Logo no inicio, Sin-ae surge perdida na estrada com
o carro quebrado, pedindo ajuda ao celular.
A cena que mostra em plena estrada as duas vias- a qual ela
surgiu e a que ela esta rumando- com o carro quebrado a esmo, parado no meio da
estrada quase que completamente deserta, já caracteriza o que vira pela frente.
As feições jovens de Sin-ae são de extrema tristeza a todo
momento. Uma tristeza que vai se revelando aos poucos. Uma expressão que
demonstra logo de cara seu sofrimento pela perda do marido. Tristeza essa que
se alonga ate a figura do filho pequeno, que dialoga pouco, mas demonstra nos
atos e na cabeça sempre baixa sua igual tristeza pela morte do pai.
Aliado ao silencio, o diretor vai nos conduzindo por uma sucessão de cenas espaçadas e muitas vezes de edição lenta, que vão compondo a
nova vida que se apresenta a Sin-ae. Uma vida de possibilidades para recomeçar.
Ela é professora de piano, e monta uma pequena escola. Com a
ajuda de um simpático homem, ela começa a adquirir alunos e aos poucos a se
situar na nova realidade.
Porem, não demora muito, para o roteiro nos mostrar que
realidade é essa. Sin-ae chora e sofre pela morte de um marido que a traia. Ela
se mudou para uma cidade que ao contrario do que ela queria – o anonimato para
recomeçar- , a conhece extremamente bem e apesar dos sorrisos e pêsames carinhosos
que a recebem, a veem como um louca viajante.
Sin-ae é ateia. E descobre cedo que Milyang é uma cidade que
tem uma fé latente. Uma fé católica.
Nesse ponto, o roteiro introduz uma estrutura extremamente
interessante em quebrar as expectativas previas do espectador acerca daquela
cultura que estamos sendo inseridos. Ao transpor o catolicismo na cultura
oriental. A fé é vista de maneira plena, sem ser didática ou mesmo imposta em
nenhuma momento. Os únicos momentos em que somos impelidos a lidar com ela, é
justamente quando surgem personagens – como a dona da farmácia a frente da casa
de Sin-ae, que continuamente tenta evangeliza-la e traze-la para o conforto de
Deus.
Ao que Sin-ae se mostra cética e relutante. Como no
excelente e revelador dialogo em que esta vendedora diz:
“Vê? Deus esta em tudo, ao nosso redor. Não precisamos vê-lo
para senti-lo. Ou melhor, podemos senti-lo e vê-lo sim. Vê esse raio de sol? Deus
esta nele também.”
E Sin-ae responde, indo ate o feixe de luz e contemplando-o:
“Sim vejo. Esse raio de sol é apenas um raio de sol. Você
não vê?”.
Então, numa reviravolta visceral e inesperada, a narrativa
recai numa constante de desespero e agilidade.
Algo extremamente brutal surge
na vida de Sin-ae que não só a leva a um verdadeiro inferno, como lhe deixa a mercê
da crença. Ao qual logo se mostra mais um desespero em sua vida.
Esse quadro melancólico em parte é conseguido pelo magistral
e impressionante trabalho da atriz Do-yeon Jeon que vive Sin-ae. A maneira que
ela se entrega em tela impressiona e assusta. Sua dor espiritual, vai além,
atinge o corpo. E é arrebatador ver como a atriz consegue imprimir essa dor tão
intensamente e ainda assim sem parecer exagerada ou caricata. Pois a dor que a
personagem experimenta é latente, quase palpável. O sofrimento se torna quase
que um personagem em tela. É falta de ar, um grito esganado, sufoco, insônia,
desamparo.
O que se vê em tela não é bonito. Mesmo com o cuidado da
direção de arte e da fotografia sempre bem delineada e ironicamente clara do
filme; o que vemos é o abismo em que uma mulher pode chegar inclusive indo aos
limites do descontrole mental.
E o silencio quase que a todo instante, inclusive nos diálogos
que são poucos, ajudam a expressar esse quadro.
Assim, Secret Sunshine não é um filme fácil. Ele nos coloca
diante da dor de maneira contemplativa, mas de tal forma que conseguimos sentir
alem de nos sensibilizar com o que é visto em tela, mas justamente por apenas
podermos contemplar, causa uma sensação de impotência, ao constatarmos que
estamos ali apenas visualizando o fundo do poço sendo transpassado por mais
camadas abaixo.
Mas o que mais impressiona talvez e choca nisso tudo é que o longa propõe a reflexão de que a dor é a própria prova de que estamos vivos.
Um filme pesado, mas que merece ser visto e sentido
profundamente tal qual sua proposta sugere. Um olhar além dos raios do sol,
revelando as sombras secretas que se escondem diante da luz que vemos todos os
dias.
Uma obra em todos os sentidos.
Diretor: Chang-dong Lee
Roteirista: Chang-dong Lee, Chong-jun Yi
Elenco: Do-yeon Jeon , Kang-ho Song , Yeong-jin
Jo, Mi-kyung Kim, Yeong-jae Kim, Seo-hie Ko, Myeong-shin Park
Fotografia: Yong-kyou Cho
País: Coréia do Sul
Ano: 2007
Gênero: Drama
Duração: 142 min.
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