“Jeanne, um mais um é igual a um?”
Incêndios começa no Canadá. E conta a historia dos irmãos
gêmeos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Marwan Maxim) que acabaram
de perder a mãe, Nawal Marwan (Lubna Azabal). Após a morte da mãe, ambos são
levados ate o tabelião da família que lhes informa do testamento deixado por
ela aos filhos, que consiste em pedidos e vontades. No documento, Nawal pede que
seja enterrada sem caixão, nua e de costas, sem que haja qualquer lápide em seu
túmulo. Ela deixa também dois envelopes, um a ser entregue ao pai dos gêmeos e
outro para o irmão deles; irmão esse que os gêmeos desconheciam a existência. E pai esse que jamais conheceram. Somente depois da missão de encontrar o irmão desaparecido e o pai ate então
que eles julgavam estar morto, e entregar os respectivos envelopes a eles, é
que os gêmeos poderão enfim enterrar sua mãe, com lapide e as honras pós-morte
e receber uma ultima carta final. Para honrar a vida e memória da mãe sofrida
eles tomam e respeitam a ultima vontade da mãe. É o início de uma jornada em
busca do passado da mãe, que os leva até a Palestina. E a horrores de guerra e
destino que os marcarão para sempre.
Com um fio condutor intenso, Incêndios, do diretor e também roteirista
Denis Villeneuve; e baseado numa peça de sucesso de Wajdi Mouawad; é um filme que traça uma narrativa forte, poderosa e que tem tudo para
entrar definitivamente para os anais dos seletos filmes clássicos e
tecnicamente sem falhas do cinema.
Com atuações primorosas, o filme cai fundo nas relações
humanas e familiares, alem de trazer um palco de melancolia e angustia extrema.
Chega a ser palpável os sofrimentos ali vividos.
Numa verdadeira fabula de encontro com o passado e a
verdade, Jeanne a filha mais velha, parte rumo ao país de origem de sua mãe; o
Líbano; passando pela Palestina.
Aqui a estrutura narrativa dá um salto no tempo e nos transporta
ate a década de 70, em plena guerra civil libanesa.
Em uma montagem parcialmente paralela, vemos os caminhos de mãe –
no passado- e filha – no presente -, se intercalarem. FlashsBack nos conduzem aos passos traçados pela mãe. Isso nos dá informações sobre esse passado, e esse enigma que a filha deve desvendar para achar o irmão desconhecido e o pai, para fazer a ultima vontade da mãe. Com essa estrutura, o filme já começa a aterrorizar, ao sabermos sempre um pouco mais que a protagonista e vermos irresolutos sua descoberta, por algo que já temos ideia de quão horrível pode ser. E é interessante como a
escolha das atrizes foi pertinentemente semelhante. As duas se confundem
esteticamente na tela, o que nos leva a crer que a filha entra no mundo da mãe
como ninguém mais. E assim a escolha de montagem se apresenta não só eficiente a trama, mas também acertada.
Com planos em sua maioria abertos e sequências longas, a
ação é o que predomina; os atos, nem tanto os diálogos. Ainda assim os que
surgem são de extrema importância e inteligência.
Com uma fotografia que preza por uma paleta de cores amenas,
bem cinza, e em raros momentos (geralmente quando mostra o passado) carregada
de vermelho e preto, o filme tem ares de um filme de guerra, seja por sua
direção de arte que cria um ambiente bucólico e alarmista, seja pelo enredo que
utiliza mais de quatro atos de reviravoltas, e edição rápida em certas cenas ou
com planos com câmera na mão, e travellings de afastamento que seguem seus
personagens.
É espantoso como o filme consegue mostrar com o mesmo tom, massacres, estupros, abusos e mortes brutas, e lirismos, delicadezas e cenas poéticas O filme trata em termos religiosos- apesar desse não ser o foco - com o mesmo peso a parte muçulmana e a parte cristã.
E mesmo os dramas mais "novelas mexicanas" possível, são apresentados com total realidade, sem soarem piegas ou forçadas. A trama nunca se deixa cair no dramalhão, melodramatico, sempre se mantem centrado e eloquente.
Contando ainda com uma trilha sonora suave, em tons
graduais, Incêndios carrega em seu desfecho o ápice dos filmes da ultima década.
Na cena em que o filho Simon, volta de sua parte da missão, carregando uma informação importante sobre a própria historia e o passado da mãe; ele e Jeanne estão num quarto de hotel, sentados numa cama.
com um enquadramento em plano médio e fixo, e ligeiramente em contra-plongée, observamos o dialogo e as expressões dos irmãos a compreender aquilo que lhes foi informado. e é belo a maneira que a cena é construída em fotografia apaga, quase sem iluminação(o único foco de luz provem do corredor ao fundo, da porta do quarto entreaberta) e com a ausência de trilha sonora. o silencio absoluto cortado apenas pela voz e respiração dos dois personagens, é amedrontador e ao mesmo tempo tocante. Causa exatamente o baque que um clímax como um filme desses merece.
É complicado tratar de incêndios, falar sobre seu enredo sem
entregar muito de seu desfecho, bem como qualquer informação mais detalhada, é
o tipo de filme que não é possível contar muito sem tirar seu sentido narrativo
de ser.
A unica ressalva que faço, fique talvez na escolha da parte em que escolheram finalizar a narrativa. Creio que para o enredo todo carregado ao qual veio se firmando, terminar talvez uns 5 minutos antes do que realmente terminou seria mais coeso. A sensação que fica é que os 5 minutos finais de projeção foram incluídos mais para tornar o filme "compreensível" para um grande publico, ao invés de manter o tom elucidativo a que vinha caminhando. Ao final ele entrega sem meios para interpretação pessoal, a verdade ali escondida, onde seria muito mais interessante, deixar a "missão" ao espectador compreender, cair a ficha, assim como cai para s personagens sem a necessidade de dizer com palavras explicitas. Mas isso não tira em nada o mérito da projeção, é apenas questão pessoal aqui.
Basta dizer, por tanto, que incêndios, que já inicia com sua
excelente metáfora em seu titulo, é um verdadeiro primor, umas das melhores
surpresas da ultima década, numa projeção, densa, intensa, sombria, emocionante
e extremamente coesa e perturbadora.
Uma experiência visceral do inicio ao fim.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim
Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman
Produção: Kim McCraw, Luc Déry
Roteiro: Denis Villeneuve
Fotografia: André Turpin
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Duração: 130 min.
País: Canadá
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
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