"Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira".
Na Rússia de 1874, Anna Karenina (Keira Knightley), jovem
aristocrata casada com Karenin (Jude Law), um alto funcionário do governo,
envolve-se com o Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson), oficial da cavalaria
filho da Condessa Vronsky (Olivia Williams), chocando a alta sociedade de São
Petersburgo.
Anna Karenina é um romance do escritor russo Liev Tolstói,
publicado entre 1873 e 1877. É uma das obras-primas do autor, ao lado de Guerra
e Paz.
A trama da obra gira em torno do caso extra-conjugal da
personagem que dá título à obra, uma aristocrata da Rússia Czarista que, a
despeito de parecer ter tudo (beleza, riqueza, popularidade e um filho amado),
sente-se vazia até encontrar o impetuoso oficial Conde Vronski.
No decorrer da obra, também são tratadas questões
importantes da vida no campo na Rússia da época, onde algumas personagens
debatem a respeito das melhores maneiras de gerir suas propriedades de terras,
bem como o tratamento com os camponeses, então chamados de mujiques.
Com direção de Joe Wright, Anna Karenina surge com um
encanto cinematográfico, de beleza, requinte, exasperada técnica visual e cenográfica
e a consolidação de uma parceria eficaz e a confirmação de que Keira Knightley
nasceu para a Aristocracia de época.
Em Orgulho e Preconceito, soberba obra adaptada por Wright
pros cinemas, a parceria dele com Keira, já era evidente. O entendimento de
diretor e atriz em tela transborda. Em cada detalhe desta produção é possível ver
a nostálgica e incisiva visão de Wright sobre a aristocracia. A trama que já esconde
criticas ao sistema de classes da época da sociedade russa, aqui ganha ares
mais modestos, mas não pouco assertivos.
É um jogo interminável de regras a se seguir, razão versus
fé e os bons costumes que permeiam todo o longa.
Ao contrario do que se possa pensar, o orçamento de Wright
para este longa foi mais modesto do que o próprio imaginava possuir. Para
burlar esse empecilho, o diretor buscou nos velhos e sempre funcionais, manejos
cinematográficos o chamado “truque” a inspiração e solução.
Anna Kerenina surge impecavelmente visual. Um espetáculo de
cenas, planos e sequencias, com uma fotografia vibrante e delineada,
cuidadosamente pincelada, como se fossem inúmeras pinturas de fato. O figurino
repleto de detalhes, e sempre majestosos tanto nas costuras como nas cores e
modelos também agregam esse espetáculo. Mas é a escolha de trazer a linguagem
teatral e dramática dos palcos que transforma Anna Kerenina numa pequena joia a
ser levada em consideração.
O roteiro assinado por Tom Stoppard constrói uma personagem
extremamente aflitiva e vazia. Anna é vazia em sua vida perfeita. Ao seu redor
tudo corre bem, mas algo dentro dela, parece querer se encontrar, ter paz. Essa
paz vem com o interesse imediato que tem e recíproco pelo Conde Vronski. Mas ao
mesmo tempo que este interesse cresce e lhe dá algum sentido interno, ele o vai
a destruindo, emocionalmente, posteriormente socialmente, fisicamente e
psicologicamente. Ela vai caindo numa alteração descontrolada de humor e estado
de espírito que lhe dá ares de psicose em alguns momentos. O descontrole
emocional é pontuado pelas cores escuras e por uma montagem que faz referencia
as maquinações de trem.
Quando o descontrole dá vazão ao desequilíbrio, o filme
adota a velha técnica dos espelhos e superfícies refletivas para expressar
isso.
Como não possuía grande verba, a solução encontrada pela
produção do longa foi utilizar como cenário e locação primário, um antigo
teatro. Ali a maior parte das cenas são rodadas, onde o palco e o teatro se
adaptam e se transforma de acordo com a o que a situação pede. Vemos despretensiosamente
atores servindo de figurantes, trocando de roupa em frente à tela, carregando
os pedaços dos cenários e os dispondo em cena para transformar a locação.
Um quarto vira uma cafeteria em minutos, tudo encenado de
forma extremamente teatral, com passos e sonoplastia compassados. Ate mesmo
maquetes são usadas.
Algumas cenas memoráveis compõe o enredo como as cenas em
que os atores surgem imóveis ao redor enquanto apenas um personagem se move
entre eles.
Uma sequencia em particular é digna de aplausos, numa
construção de cena memorável de dança, onde a câmera percorre os pares de dança
numa montagem frenética e uma edição sincronizada, com um som exasperado, junto
a uma trilha sonora que cativa e mantém a atenção do espectador apreensiva a
todo instante. Ate mesmo uma cena particular de sexo simulado como se fosse uma
dança de balé contemporâneo é bem encenada e de bom gosto dentro da narrativa.
É lindo de se apreciar.
As poucas cenas externas se dão justamente no núcleo de apoio
encabeçado pelos personagens Konstantin Levin e Kitty, que são responsáveis assim
como na Obra de Tolstói, pela parcela moral e reflexiva social do longa.
Mas é Keira Knightley e Jude Law que se apresentam impecáveis
em seus papeis. Mais uma vez, Keira prova que nasceu para personificar
personagens dessa época. É de tamanha naturalidade seu timing aristocrático,
nos trejeitos, na fala, ate mesmo fisicamente ela parece se enquadrar àquela época.
Mas pó ser possuidora de um talento reconhecível, em nenhum momento o
espectador a compara com seus antigos papeis semelhantes de época.
Alias para o bem e para o mal, Keira possui tamanha simpatia
em seu olhar que é impossível realmente desgostar de sua personagem, mesmo que
Anna surja irritável a todo instante.
Jude Law também empresta a seu personagem um controle ambíguo
impressionante. Como se seu personagem se controlasse a todo o momento para não
explodir de vez. Ele intensifica isso ao lhe dar um TOC de estalar os dedos das
mãos que realmente compõe o personagem muito bem.
Por fim, Anna Kerenina possui mais acertos do que erros,
mesmo que estes existam – como o ritmo por vezes lento e arrastado demais,
mesmo que o filme possua pouco menos de 2 horas de projeção- são
insignificantes diante da interessante composição narrativa que ele nos oferece.
Este esta longe de ser a melhor das obras de Joe Wright, mas
definitivamente se faz enxergar e valer.
Diretor: Joe Wright
Elenco: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Taylor-Johnson,
Kelly Macdonald, Matthew Macfadyen, Olivia Williams, Michelle Dockery, Emily
Watson, Holliday Grainger, Ruth Wilson,
Produção: Tim Bevan, Paul Webster
Roteiro: Tom Stoppard
Fotografia: Seamus McGarvey
Trilha Sonora: Dario Marianelli
Ano: 2012
País: Reino Unido, França
Gênero: Drama
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