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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tatuagem - Critica



“Aqui começamos a fazer a pintura rupestre de um novo tempo”.

Ambientado em 1978, Tatuagem, mostra em plena ditadura militar brasileira -  que já mostra sinais de esgotamento. -  a historia de Clécio (Irandhir Santos) , que faz parte de um coletivo teatral – Chão de Estrelas- ,  que ao se envolver com Fininha (Jesuíta Barbosa), apelido do soldado Arlindo Araújo de apenas 18 anos de idade, cunhado da estrela de sua trupe, Paulete (Rodrigo García); se entrelaça num emaranhado de intensos sentimentos enquanto ambos enfrentam as marcas da ditadura no país, ainda que implícitas em seus direitos a democracia e liberdade.

Em dado momento o filme questiona: O que é Democracia? Democracia é Liberdade? Liberdade é escolha ou é decisão a partir daquilo que nos dão para escolher (uma opção pré-determinada)?
Tal questionamento sintetiza uma parte o poder social critico e político que o filme dirigido e roteirizado por Hilton Lacerda assume ao longo de suas 1h e 50 minutos de duração.

Tatuagem discursa sobretudo a liberdade social e nela incorre sobre os anos de confinamento e opressão de um país desigual quanto sociedade. O filme questiona a moralidade e não por acaso a transparência pessoal e intima de cada um consigo mesmo.
Não por acaso cada personagem parece inferir no espectador um tapa na cara sobre seus próprios preconceitos e predestinações a julgamentos e reclusões quanto pessoas.
Num País que enfrenta em pleno século XXI, uma orla de pessoas calcadas ora pela religião em seu lado discriminatório e manipulativo, ora pela política cada vez mais doutrinal, patriarcal, rígida com Bolsonaros e Felicianos, ora por uma cidadania falha e contraria que preserva a destruição e a anulação ao invés de união e criação em prol das instituições familiares (deturpando qualquer sentido mas ainda assim gritando tal discurso), um roteiro como o de Tatuagem chega a doer e causa um incomodo enorme a quem o assiste, mesmo entre os risos pontuados e deliciosos que ele exibe; por constatarmos que ali, os personagens somos nós mesmos – em militância maior ou menor -  com mais de 40 anos de diferença. Pouca coisa mudou na busca.

O que difere Tatuagem de muitas obras nacionais e mundiais, esta contudo não em seu discurso com viés critico, mas sim em seu despudoramento de encarar e dissertar sob a arte multicolorida e multifacetada a qual se inseriu. O cinema Nordestino nos brinda a cada temporada com filmes que exalam criatividade e segurança em consolidar sua identidade visual. Mas Tatuagem tem a diferença que ainda que ambientado no nordeste, ao contrario de seus colegas audiovisuais, não clama seu amor apenas por sua terrinha, mas se funde em tela ao pais inteiro. Ainda que haja características de linguagem inclusive no texto do filme que nos situe irremediavelmente a Recife/Pernambuco, não há aquela exaltação em mostrar longas tomadas de suas ruas, casas rupestres de barroco forte, ou suas praias estonteantes. O filme se atem a sua trama que é universal a todo o pais.

Há momentos impagáveis e sensacionais que justificam o um minuto ou um pouco mais de aplausos com gritos fervorosos da sala lotada – em ultima sessão do único cinema – sessão e horário - que estava exibindo o filme na cidade de São Paulo onde o assisti – logo após o fim da sessão.
Destaco todos os números musicais do Coletivo Chão de Estrelas, em especial a cena belíssima do personagem Clécio performando  “Esse cara”, de Caetano Veloso, totalmente montado, onde a câmera executa uma panorâmica que intercala um jogo de luz, com foco em Clécio deixando-o em primeiro plano e que termina exatamente no final da música onde o plano abre  e clareia ligeiramente revelando o personagem  Fininha, de meio perfil, totalmente imerso na performance e em Clécio. Outra cena que ocorre pouco tempo depois e que já é meio que clássica imediata de tão delicada e terna que é, que é quando novamente Clécio e Fininha estão no quarto de Clécio e este coloca a canção ‘A noite do meu bem’ de Dolores Duran na vitrola, e chama Fininha para dançar. A cena é tão singela mas tão potente que é impossível não esboçar um sorriso diante daquele intimidade nascente entre duas almas entregues.

Vale destacar também o numero musical de “Ode ao Cu” que qualquer descrição não conseguira exemplificar de maneira justa. Impagável e imperdível – inclusive estou com a canção na cabeça ate agora -.
Alias, me utilizando da liberdade justamente que o filme defende, é importante salientar que a analogia que o texto faz entre Liberdade e o Cu, bem como a utilização que faz do corpo humano e da erotização para defender seus questionamentos é de uma inventividade e coragem impar na nossa cinematografia em muito tempo. A anos a historia do nosso cinema é marcado pelo teor sexual e erótico, mas sempre em tom de banalização ou recurso cômico. O brasileiro culturalmente tem essa relação com o ‘sexual’ com o corpo. Porem aqui, o corpo e o sexo, bem como a erotização de ambos não tem caráter de querer ser apelativo ou mesmo de banalizar nada. Esta ali como algo natural tal quais as cores que a fotografia muito bonita repleta de texturas e contrastes imprimem a projeção.

Ainda com atuações memoráveis em um elenco afiadíssimo – que ainda que o filme se justifique por si só, carregam nas costas sua bem sucedida projeção – destaque a atuação visceral e impressionante de Irandhir Santos,  como Clécio. É admirável perceber as nuances de seus olhares em cada particularidade de emoções que seu personagem carrega. De Jesuíta Barbosa, que consegue levar seu personagem difícil de maneira segura. Difícil uma vez que seu personagem dentre todos carrega o alicerce da trama em seus diferentes mundos intercalados, do quartel rígido e opressor, ao grupo teatral livre e permissivo. Mas quem fica na memória é Paulete de Rodrigo García. Sem nunca cair no caricatural demais, exala beleza e comicidade em cada cena que surge com suas falas certeiras carregadas de sarcasmo e deboche, mas que o ator consegue mais uma vez, no olhar, transmitir todo o peso que sua existência compete naquela fase de sua vida.

Com recursos ate mesmo timidamente metalinguístico, esse que pode se confundir como  “o Moulin Rouge do subúrbio, a Broadway dos pobres, o Studio 54 da favela”, não só transgride o limite ainda existente entre o Cinema nacional atual entre sua arte, seu discurso e execução, como de maneira quase anárquica nos deixa marcados com nossos questionamentos – ainda que saiamos dele de maneira branda e leve, em parte por sua trilha sonora saudosista -.

Como nota, gostei bastante da montagem e o desenho de som de Tatuagem, bem como a Direção de arte e a gráfica dele, mas guardo ressalvas quanto ao ritmo, em parte pelas as vezes desnecessárias longas tomadas de algumas apresentações do Cabaret, que deixam a sensação de que o filme é mais longo do que realmente.

Tatuagem é, sobretudo humano. Um retrato pertinente à nosso país e ao mundo, que de fato explode como um gigantesco e profundo desamarrado cu, e que tem cheiro doce.


Trailer:



Ficha Técnica:

Direção: Hilton Lacerda
Roteiro: Hilton Lacerda
Elenco: Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo García, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado
Produção: João Vieira Jr
Fotografia: Ivo Lopes Araújo
Montador: Mair Tavares
Figurino: Christiana Garrido
Trilha Sonora: DJ Dolores (Helder Aragão)
Duração: 108 min.
Ano: 2013
País: Brasil









sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Critica: Gravidade





Dentro tudo o mais que fascina em Gravidade – novo filme de Alfonso Cuaron ( Filhos da Esperança e Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban) depois de uma hiato pesaroso para o cinema de quase 7 anos - é a historia. O enredo que de simples só tem a descrição, nos leva numa catarse existencialista de superação. Cuaron realizou um filme de imersão na imensidão do interior humano, a perda, a solidão, as duvidas, a falta de força em continuar a sobreviver. Sim. Porque o que vemos em tela, não é uma personagem que vive, somente sobrevive.
Ele projetou para o universo infinito todo o universo interno da personagem da Sandra Bullock – a Dra. Ryan Stone -.

Porque Gravidade é um ensaio ou quase uma tese sobre o interior humano quando este perde a essência do que nós faz existir. Que é a busca por nos preservarmos. Por continuarmos. Somos seres evolutivamente sobreviventes. Resistimos às adversidades, as catástrofes humanas e da natureza. Resistimos a toda ameaça externa. Porem ainda continuamos a oscilar e perecer diante das adversidades e ameaças internas, de nós mesmos. Depressão, solidão, luto diante da perda. Tudo isso causa uma reação em cadeia de vazio, feito um buraco negro, muitas vezes silencioso, onde nos vemos diante de um universo infinito, vasto, perigoso, ameaçador onde a vida parece não caber. Ou ao menos a vontade de permanecer nela. Gravidade usa metáforas e simbolismos diversos para isso. Para nos apresentar o interior da Dra. Stone em toda a sua imaculada crise e luta por sobreviver a ela mesma.

E Cuaron faz isso de forma impressionante. Gravidade serve como Ficção cientifica, como drama, como suspense, como ação, como aventura. Não importa a linha de gênero que você siga para contempla-lo. Todas funcionam.
Usando a lógica coerente dentro do espaço ao qual se situa, Cuaron e sua equipe realizaram uma obra prima, que é caracterizada assim por fazer jus a priori do Cinema, que a tempos vinha sido considerada perdida.

Esteticamente soberbo e tecnicamente impecável ( com o 3D mais bem executado já realizado talvez ate hoje, onde a imersão e a noção de profundidade é trabalhado de maneira fantástica.)-  o filme faz uso dos recursos tecnológicos de uma maneira sempre em função de sua narrativa, cientifica e filosófica. Poucas vezes atualmente conseguimos vislumbrar um filme que utilize a imagem e o som em comunhão tão esmerada e ciente do espaço fílmico ao qual esta inserido. A graduação entre o silencio e o som apenas humano – respiração na maioria das vezes- no espaço onde o som não se propaga é maravilhoso de se ouvir e sentir/constatar.


Porem o que faz do Cuaron um diretor espetacular, é seu entendimento da linguagem cinematográfica, conseguindo conduzir a ciência a tecnologia o rebuscamento  técnico mesmo com a emoção e o apelo humano de identificação do espectador para com seus personagens e a historia. Nesse ponto, não há como negar, que não existiria Gravidade sem Sandra Bullock.

Sandra assim como sua personagem, é a essência da condução do filme. Suas expressões que variam gradativamente do pavor, ao medo, do choque a resignação, da determinação a emoção, do alivio ao desespero. Uma paleta de emoções e reações, contidas o que é condizente com a personalidade da personagem que engrandecem ao longo do filme. E não é exagero dizer que em determinada hora da projeção a sensação que temos é a de que ela é tão gigante e vasta quanto o universo ao qual tenta sobreviver.  Numa cena particular a atriz revela sua total entrega a personagem, e entre latidos ela garante a fixação da mesma na memória do espectador por muito tempo.

A Dra. Stone passa por um processo de refortalecimento. O universo foi seu escape. E ali ela decide sim se projetar diante do nada, do vácuo, e se insere na placenta que é o espaço para recriar a si mesma. Cenas como a metáfora ao útero e ao cordão umbilical; onde Matt Kowalsky (George Clooney; numa atuação correta de alivio cômico excelente) representa justamente a humanidade. Nele esta refletido primeiro a segurança, a razão e a confiança, e depois o desapego. Matt não esta ali apenas para dosar a tensão com a comicidade das cenas. O personagem representa tudo aquilo, todo o suplemento que a Dra. Stone precisa para coexistir novamente entre suas emoções e medos.

Ainda que os diálogos pareçam superficiais – o que de fato são – e o próprio apelo sentimental que o filme assume da sua metade em diante, pareçam forçadas, não são. Isso mostra o quanto o texto, o roteiro de Gravidade foi planejado e pensado. Tudo serve para criar empatia no espectador que do contrario jamais se conectaria aquela ‘gestação’.

Fotografia espetacular como já evidenciado – não poderia ser diferentes, num contraste e regulamentação de cores, texturas e principalmente de luz impressionantes, e uma trilha sonora edificante nos momentos corretos de fazer qualquer pele se arrepiar.

É necessário também destacar um feito espetacular dentre tantos que esse filme possui visualmente e semioticamente falando. Além das cenas soberbas contendo reflexos dentro de reflexos – os espelhos no universo já são simbólicos e poéticos por si só-, além das rotações de quebra de eixos – uma vez que não há perspectiva nenhuma de certo ou errado no espaço em termos de angulações, já que não há definição do que é em cima, embaixo, esquerda ou direita, dando um campo livre de criação de planos para o diretor; uma cena especifica merece destaque.

Num aparente plano sequencia com um close up que se transforma numa transição com mudança de espaço físico (vai do exterior do capacete da Dra. Stone para o interior, transformando a objetiva da câmera em primeira pessoa, para logo em seguida retomar a objetiva externa de antes. A câmera passei sem nenhum corte perceptível do espaço, para o interior do capacete, para em seguida assumir o lugar da personagem.) E  tudo isso sem cortes aparentes - o que é impossível, porem é imperceptível e confesso que to abismado para querer saber como ele fez isso com essa precisão sem quebras de condução. Somente por esse take, Gravidade já merece aplausos.

Justificável ainda pelo seu titulo que alude diretamente ao renascimento e a superação que a personagem enfrenta Gravidade em seu final, nos transporta para um dos desfechos mais belos e intrigantes e discutidos dos últimos anos, talvez desde 'A odisseia no Espaço' - onde há uma referencia proporcional porem oposta.
Ora, se em ‘Odisseia no Espaço’, víamos a imagem de um feto pairando sobre o universo com o Planeta Terra ao fundo. Aqui em ‘Gravidade’, vemos um ser humano renascido, pisando em terra – solo- firme como se fosse à primeira vez. O sapo no mar entre as algas marinhas após a bolsa ter estourado na água – que simboliza a purificação – mostra uma sucessão de infinitos simbolismos repletos de significo e beleza, que transcendem o próprio filme.

Gravidade é aquele tipo de filme que merece e deve ser visto, revisto, Analisado, discutido, sentido, absorvido, refletido, pensado. Escreveram mais sobre ele ao longo dos anos, matérias, teses, teorias, ensaios. Um clássico instantâneo que nasce na imensidão e vai além dela. Colocando o Cinema novamente como a arte sem limites.



Enfim. Um filme antes de todos os efeitos especiais e tecnologias, e tensões; humano. Um filme poético. Que assim como a Gravidade que faz Chover labaredas de fogo no céu, e que faz diante de uma luta poderosa por começar a finalmente viver, um ser humano pisar firme no chão e levantar indo contra a Gravidade que o puxa ao chão, nos puxa para dentro de nós mesmos em um espetáculo; ou melhor; um parto inesquecível. 

Trailer:




Ficha Técnica: 

Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón, Rodrigo García
Elenco: Basher Savage, Eric Michels, George Clooney, Sandra Bullock
Produção: Alfonso Cuarón, David Heyman
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Montador: Alfonso Cuarón, Mark Sanger
Trilha Sonora: Steven Price









segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BREAKING BAD - SERIES FINALE - FELINA: A Revolução da Televisão Mundial e do Cinema



'Já compartilhei, já dei a dica, já exaltei, já tentei de todas as formas demonstrar a importância do que esta acontecendo atualmente na televisão; uma mídia considerada inclusive por mim morta ou ao menos em estado de latência, de zumbificação, e que mostrou a 5 anos atrás que ela estava prestes a se transformar. Hoje chega ao fim o que muitos já consideram e inclusive eu, o fim da 3° Grande Era de Ouro da televisão Mundial. Mas ao mesmo tempo, se inicia uma verdadeira revolução não só na mídia televisiva, mas possivelmente nas mídias Virtuais e do próprio Cinema, inclusive como indústria para suprir a demanda de qualidade que essa serie trouxe.

Sucesso de Critica e publico que é de longe o menos importante para descrevê-la.
A TV mudou. E mostrou que não é mais uma inimiga do Cinema como demonstrou ser por anos. Mas hoje ela mostra o fim do que provou que ela se igualou em todos os sentidos a tela grande, ao Cinema com letra maiúscula, e que é uma aliada na evolução dessa Arte. Que só acontece quando se compreende ela e se respeita acima de tudo.

Hoje o dia amanheceu mais triste para mim e milhões de pessoas e profissionais da área de comunicação áudio visual, mas ao mesmo tempo to mega orgulhoso de poder fazer parte desse momento histórico de nosso tempo junto com o restante do Mundo.

Venha Breaking Bad, venha terminar sua Era, definir seu legado futuro e me fazer morrer de saudade e excitação como só você fez em sua mídia a muito tempo.

Vem me fazer chorar e gritar, e me fazer confirmar mais uma vez: EU AMO CINEMA!'



((((( CONTÉM SPOILERS DO ULTIMO EPISODIO 'FELINA' DA QUINTA E ULTIMA TEMPORADA)))))


Escrevi esse na manhã do dia 29 de setembro de 2013. E agora após terminar de assistir a ‘series Finale’ de Breaking Bad, reforço a tese e afirmação de que : A TELEVISÃO ACABA DE MUDAR DEFINITIVAMENTE.
Nada será o mesmo. Se alguém tiver programas de TV gravados de antes das 22horas da noite de ontem domingo dia 29 de setembro de 2013; guardem! Pois será uma lembrança da TV que conhecíamos ate aqui. Por que hoje, a TV Mundial amanheceu diferente, Hoje começou a Era pós Breaking Bad.
São inúmeros tetos, teorias, teses, artigos, matérias, videocasts, programas de TV, de radio, de internet, debates acerca da importância dessa Obra para o Cinema e o áudio visual. Breaking Bad trouxe uma inovação jamais imaginada para um produto criado para a televisão. Seria bobagem eu me estender por paginas e mais paginas de texto explicando e enaltecendo isso. Colocarei link e artigos próximos ao final a quem interessar.
O caso, é que ao longo de quase 6 anos, Breaking Bad não só reinventou a forma de se ver e fazer TV, como alterou nossa percepção – seja de entendidos da área do cinema e da comunicação ou não – do que é uma serie de TV. A serie fomentou industrias em graus inimagináveis, inclusive a economia. Isso porque ela conseguiu mesclar de forma inédita na historia, todas as mídias de comunicação e interação de publico ao longo desses anos. Eram textos sobre os episódios fervilhando, eram analises e comentários e uma legião de fãs e admiradores que entravam em comunhão com uma certeza de que estavam vendo algo icônico e histórico.
É quase impossível encontrar alguém que não consiga reconhecer a importância e qualidade da serie, em cada detalhe- ainda que estes não sejam absolutamente perfeitos- nada é, nem mesmo ela escapa, ainda mais sendo algo de caráter serial; Mas mesmo se você não gosta, não se apega a ela, ainda assim você consegue com unanimidade, admitir e afirmar que esta  diante de algo alem da media normal vista não só no cinema tela grande como na TV ou na internet. Breaking Bad conseguiu superar em muito muitas produções audiovisuais somente este ano de exibição de sua ultima e derradeira temporada.
Mas seu maior feito talvez seja mesclar qualidade, inovação com diversão. Ao contrario de Mad Men por exemplo – que fique claro, considerado por mim a segunda melhor serie já assistida por mim – assistir a ela não é maçante ou uma tarefa que precise de paciência e atenção exarcebada- ainda que ela seja esmeradamente tecida. Breaking Bad é divertida, engraçada. É uma arte esculpida com uma mascara eficaz e convincente de entretenimento puro. E isso é genial. Quantas vezes pudemos ao longo da historia afirmar termos presenciado algo assim?
Breaking Bad foi feita para todos. Assim como todos foram feitos para Breaking  Bad.

E como amante de Cinema e sua Arte, dá gosto, orgulho e satisfação de constatar que definitivamente quando algo é bem feito, quando algo tem qualidade, não existe barreira possível que impeça seu reconhecimento e apreciação merecida.
Mas vamos falar especificadamente do Ultimo episodio; FELINA. Com spoilers obviamente e sem contar o enredo dos acontecimentos, não é uma analise é apenas uma observação de um estudante de cinema e fã.

Desde Ozymandias, ficou claro o final que a serie tomaria. Walt deixou para trás definitivamente todas suas desculpas sobre suas motivações e permanência em suas atividades, se foram, junto a destruição de sua família, que a tempos já não era uma.
Era claro, a referencia a Scarface cada vez mais latente para seu final, ao ser exibido Granite States. Porem FELINA, ainda que tenha sido previsível quanto ao destino final do grande vilão da Era; conseguiu ainda assim nos surpreender com as decisões tomadas para culminar nesse final. E não sei exatamente se agradáveis.
O que parece, é que em algum momento, Heisenberg e Walt se fundiram, e que apenas um sobrou dessa fusão. ‘states’ parecia nos levar a crer que fora Heisenberg que nascera ali ao matar White, mas o que felina mostrou, foi o contrario. Foi um personagem ambíguo, que permaneceu dúbio ate o ultimo suspiro e sangue derramado – ate a ultima tosse- mas que escolheu obter sua redenção como Walt, ainda que tenha deixado ao mundo a imagem de que terminou tudo como Heisenberg.
Entendam. A única redenção possível para ele sempre foi a morte. Nada alem dela daria a redenção que o personagem precisava para ter um fim. Nenhuma outra opção jamais foi se quer cogitada ou possível. E essa redenção- morte- precisava refletir tudo o que ele se tornou. Precisava ser fria, solitária, cruel, profunda e definitiva. Sem nada além disso.
E foi o que vimos. Walt morreu sozinho, na companhia de seu mito, suas ‘bebes azuis’. Seu orgulho, seu dom e talento. Morreu com sua criação. Morreu sozinho, sem amor ou respeito de ninguém, sem esperança, mas coesa em si mesmo, de quem era e é. Seu ultimo reflexo na lataria dos objetos de metal, mostram sua deformação e sua persona ali refletida. Ele morreu sabendo e aceitando de uma vez por todas que é o monstro da historia. Sabendo que é e sempre foi grande, alem de tudo. Mas que chegou a seu fim. E talvez seu gozo final foi justamente abraçar a morte da única maneira que seu ego aceitaria: morrendo através de uma obra dele, de uma decisão dele, da maneira dele, no lugar onde ele sempre e unicamente fez de lar a si mesmo. Um laboratório de cristais azuis, com um tiro proveniente de um ataque e vingança final dele mesmo. Uma bala e uma arma sua.

E é lindo e arrepiante constatar o adeus a ele da maneira mais respeitável e digna possível dada à importância de sua personagem na historia mundial aqui. Com metade do rosto mergulhado em sombras. Com as cores que remetem a tudo o que sempre lhe importou – seus cristais azuis que remetem ao azul característico e familiar de Skyler e família, o verde sua marca desde o inicio, seu lado Walter, seu lado homem de bem, seu lado moral, o amarelo, as drogas, o crime ou simplesmente a subversão de tudo, seu mundo de liberdade para sem o monstro que é, seu lado Heisenberg, e o vermelho.. o sangue, seu pupilo, único aprendiz real de seu trabalho, único a quem ate o final, entre amor e ódio ele manteve o respeito e orgulho de ver em um ser humano a cria de seu talento para criar e destruir. Jesse sempre foi à prova viva dos efeitos da existência de Walter White na vida de uma pessoa. A mascara de ‘Scarface’ marcada literalmente no rosto de Jesse e seu grito de catarse entre desespero e liberdade da prisão que foi amar seu grande mentor, é a síntese do que Walt ou Heisenberg significa.
Um final justo, plausível, mas ate que ponto ate chegar ali?
Depois de tanto tempo com rimas visuais constantes e bem elaboradas, depois de uma importância exarcebada dada a Ricina, ela acabar se justificando em um personagem fraca, cruel sim, mas fraca, e insignificante para o poder que a Ricina tomou na narrativa? Sim, Lydia precisava morrer. Por que a redenção de Heisenberg não foi apenas dar um fim a ele. Tudo não acabaria com ele. Ele precisava destruir de uma vez por todas, cada uma de suas marcas e cicatrizes no mundo. Lydia precisava ser destruída, afinal seu império de cristais azuis precisa ter um fim com ele. Os nazistas precisavam morrer, por vingança e pelo mesmo motivo da Lydia. Jesse precisava de sua redenção, sua liberdade, sua possibilidade de escolha de uma vida melhor, uma vida de carpinteiro talvez? Walter devia isso a ele.
Mas e Gretchen e seu marido? Para que o resgate a eles, apenas para garantir o dinheiro a Flynn e Holy? Onde esta a redenção final satisfatória? Sim, há redenção nesse ato, afinal ele deu a oportunidade de Gretchen e seu marido devolverem e  ressarcirem Walt e sua família pelo jogo sujo e vil com o qual trataram a empresa que ele ajudou a fundar. Aquele dinheiro nada mais é do que o direito de um pai passar para seus filhos- independente da forma que esse dinheiro chegou ao final, ele é legitimo. Mas onde esta a punição desses dois personagens? Onde a vingança de Walt, sua redenção final por essa magoa primaria de anos atrás?
Onde esta a justificativa para o final de “States’?
Um final agridoce, onde cada personagem foi preso e morto em vários graus, emocionais, psicológicos e morais. Todas as personagens que conhecemos na primeira temporada chegaram ao fim dessa quinta mortos, ainda que respirando, andando ou vivendo.
A sensação que fica é que sim, vimos um grande final. Um final a altura de seu legado. Mas que como qualquer Obra além de si mesma, que deixou sensações ambíguas tais como seu personagem principal. Breaking Bad e sua expressão de significado se justificando e a certeza absoluta:

ALWAYS, REMEMBER YOUR NAME, BITCH!


Obrigado Breaking Bad. Obrigado por mostrar ao mundo que entre a luz e a sombra esta o sentido do que é ser, estar e existir. Obrigado Vince Gillian. Obrigado!


Liks interessantes: 








Vídeo tributo 




Musica tocada ao final dos créditos finais do ultimo episodio


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Ozymandias

"Eu encontrei um viajante de uma antiga terra
Que disse:—Duas imensas e destroncadas pernas de pedra
Erguem-se no deserto. Perto delas na areia
Meio enterrada, jaz uma viseira despedaçada, cuja fronte
E lábio enrugado e sorriso de frio comando
Dizem que seu escultor bem suas paixões leu
Que ainda sobrevivem, estampadas nessas coisas inertes,
A mão que os escarneceu e o coração que os alimentou.(...)”



Esta é minha primeira analise sobre Breaking Bad oficial aqui no blog. O plano é resgatar cada episodio e fornecer uma analise de cada um deles.
Mas o plano precisa esperar, por que o que não dá para evitar é não escrever sobre este episodio que seja talvez o melhor episodio de uma serie televisa já feita na historia.
Exagero? De forma alguma.
Breaking Bad desde sua estreia em 2008 tem se mostrado evolutivamente uma das maiores series da televisão, não só americana, mas mundiais. A sua orla de fãs e admiradores não só cresce a cada instante como o vicio por tal também. E isso se explica unicamente pelo fato de Breaking Bad estar para as series como O Poderoso Chefão esta para o Cinema.
Esta serie criado por Vince Gilligan, colocou o áudio visual seriado num patamar de excelência e competência jamais vista ate então. Talvez se consiga comparar neste quesito a Mad Man, The Sopranos e ate talvez The Wire. Mas não. Breaking Bad antes mesmo de chegar ao seu derradeiro fim esperado- e lamentado- para o próximo dia 29 de setembro de 2013, conseguiu neste quinta e ultima temporada, alçar um voo solo, irresoluto diretamente ao topo da cadeia evolutiva de obras primas. Seja pelo nível de atuações apresentadas, pelo nível de tensão, de coesão e esmero no roteiro impecável, nos planos e fotografias, nas aliterações, metáforas, simbolismos, referencias, construção de personagens e trama, na narrativa esmeradamente tecida e costurada, em suas cores, direção de arte, produção e direção exemplar que colocam em pouco mais de 45 minutos cada episodio uma posição de igualdade plena com as maiores obras fílmicas já realizadas do cinema.

O episodio que foi escrito por Moira Walley-Beckett e dirigido por Rian Johnso, inicia-se já atípico. A serie nos conduz por um flashback que nunca foi mostrado, diretamente para a primeira temporada, em uma época em que tudo começava a desandar – quando Walter decidiu de fato aderir a vida da produção de metanfetamina- mas ao mesmo tempo em que tudo era mais fácil. A cena é exemplar como condutora de preparação para pontos chaves na trama que se segue durante o episodio. Logo em seguida, somos transbordados direto para onde o episodio antecessor nos deixou, em meio a um tiroteio.
Sabemos o que nos espera, mas isso não impede que a tensão construída seja enorme a ponto de causar vertigem no espectador e apreensão a cada milímetro de segundo transcorrido.

E toda a sequência é dirigida com maestria, seja pelos enquadramentos, que sempre enfocam seus personagens de acordo com sua importância na hora da cena, seja pelo uso de angulações e desfoques propícios, ate mesmo a trilha sonora com destaque aos ruídos externos.
E aqui em 20 minutos é exemplar a constatação de que estamos ‘vendo’ um roteiro impecável em cada sentido de palavra escrita e executada. Falas marcantes para atuações dignas de Tony’s Awars.
Walter White cai, para Heisenberg emergir das sombras e dominar vida.
O fulgor destrutivo traz nosso protagonista que de herói passou diretamente para vilão, como um verdadeiro demônio. E isso é explicitado não só pelas sombras e cores, olhares e ações, mas através de simbolismos que o colocam diante de uma cruz (no episodio anterior) o barrando, e aqui com uma carcaça de um animal com chifres, aludindo a sua natureza demoníaca.

 Evitarei spoilers, e na realidade a analise virá futuramente, mas como admirador extasiado precisava registrar este dia que ficara conhecido historicamente; por isso basta dizer que as cenas seguintes são literalmente de tirar o fôlego.

 Assim sendo, deixo um link, dois na realidade, de varias opiniões de críticos e publico sobre o melhor episodio de serie da historia.  >> metacritic
O outro link é uma analise mais detalhada com imagens do Pablo Villaça repleta de spoilers. >> S05E14

No mais; este post de caráter apenas de registro, serve ainda para ser um agradecimento. Para qualquer cinéfilo, aspirante a critico e estudante de cinema, um cineasta em formação como eu, constatar que a arte da sétima arte consegue chegar a um patamar extenso não só no formato cinema como Breaking Bad e seus realizadores chegaram e nos demonstram num grau de profissionalismo e talento inimagináveis, chega a emocionar. É lindo de se ver, sentir e chorar por isso. De emoção entregue, as belezas que somente o cinema conseguem te fornecer. Aplausos de pé.



“(...) E no pedestal aparecem estas palavras:
"Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!"
Nada mais resta: em redor a decadência
Daquele destroço colossal, sem limite e vazio
As areias solitárias e planas espalham-se para longe."

Resta saber: Como terminará essa saga épica e quem de nos estará vivo ou minimamente psicologicamente e emocionalmente estáveis para assistir?


Ps: único defeito de Breaking Bad encontrado nesses 5 anos: Não passar em tela gigante em salas de cinema.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Crítica/Análise : Bling Ring - A Gangue de Hollywood


“Eu realmente acredito em carma. E acho que essa situação entrou em minha vida para que eu pudesse aprender uma importante lição para crescer e me desenvolver espiritualmente. Posso me ver me transformando em alguém como a Angelina Jolie.”
Alexis Neiers, 18 anos- Membro da Gangue The Bling Ring durante declaração à policia sobre seus crimes.- Ela é interpretada por Emma Watson no longa sob a personagem ‘Nicki’.




Sofia Coppola se destaca no mundo cinematográfico por uma característica bem peculiar: o de conseguir mesclar tramas de cunho complexo e intrínsecos, numa narrativa e estética aparentemente superficial e simples. No geral, seus filmes têm um ‘Q’ de estética de vídeo clipes, são filmes artísticos, não comerciais e que por isso se embrenham em circuitos alternativos, mas sempre estão presentes em premiações e mostras ao redor do mundo. A princípio pelo sobrenome de peso que carrega vindo do pai, mas atualmente por mérito próprio, principalmente depois das indicações e do Oscar ganho por roteiro original com “Encontros e Desencontros’ seu filme mais famoso em sua pequena, mas invejável filmografia.

Explicar a sensibilidade e peculiaridade de Sofia é pertinente, pois para compreender sua nova obra Bling Ring, é se embrenhar nas características que a fazem ser a cineasta que é e entender as escolhas que fez para contar essa historia fantástica, baseada em fatos reais, e que fazem desta película um dos melhores lançamentos desse ano.

Primeiro vamos a historia real: Entre os anos de 2008 e 2009 um grupo de adolescentes com idades entre 17 e 18 anos de idade, moradores dos subúrbios ricos de Los Angeles efetuaram uma serie de crimes, entre roubos e arrombamentos, a mansões e casas de famosas celebridades. Entre elas Paris Hilton, Lindsey Lohan e Orlando Bloom. Eles: Courtney Ames, Tess Taylor, Rachel Lee, Nick Prugo e Alexis Neiers, foram presos e condenados a cerca de 4 anos de prisão, depois de um saldo de mais de US$3 milhões em roubos. O caso ficou conhecido como 'o caso de Calabasas', e os garotos foram intitulados como a Gangue “The Bling Ring” uma expressão que denota futilidade luxuriosa, é usada para retratar em diversos contextos algo com cunho de ostentação.

Vamos ao filme: Baseado no artigo ‘Os Suspeitos Usavam Louboutins’, da jornalista Nancy Jo Sales para a Vanity Fair, o longa da Coppola retrata essa série de invasões deste referido grupo de adolescentes a casas de famosos.

Numa espécie de falso documentário, Sofia Coppola escolhe entre montagens que se assemelham às típicas de programas de reality-show e programas de ‘fofocas’ a lá TV Fama e TMZ, e uma edição lenta, por vezes contemplativa, tratar do assunto de maneira simplesmente demonstrativa. É como se Bling Ring fosse um painel, sem julgamentos ou justificativas que apenas mostra os fatos, tal qual um documentário comum, porem não é assim. Há julgamentos sim, há a visão de Sofia sobre o assunto e seu mundo, mas de forma sutil.

O filme inicia-se com as imagens de uma câmera de segurança, mostrando os 5 jovens pulando os portões baixos de uma mansão e logo em seguida escapando da-li com uma grande carga de mercadorias, entre roupas, bolsas, sapatos, joias e quadros.
Logo em seguida, caímos num emaranhado de imagens pontuadas por  trechos de um interrogatório, ora por imagens de casas luxuosas e carros caros, tudo ao som de uma trilha sonora alta, potente e atual, numa espécie de eletro rock, com um ‘pé’ no hip pop. Essa é a base para transitarmos por câmeras estáticas, câmeras na mão, intercalações de câmeras de vários formatos, tudo numa fotografia clara, clean, com luz por diversas vezes estourada e monocromáticas- o branco, dourado e prateado dominam muitas vezes as casas dos quinteto protagonista.

Isso serve justamente para nos por a par da superficialidade e riqueza daquele mundo. Quando Marc (Israel Broussard) um garoto aparentemente tímido, sem amigos chega a escola alternativa destinada a jovens infratores, expulsos de suas antigas escolas, porem para jovens de famílias ricas ou ‘endinheiradas’, ele logo é abordado por  Rebecca (Katie Chang), garota de uma beleza que prende a atenção, bem vestida de salto alto que logo o convida para seu circulo de amigos. Assim, logo Marc conhece Chloe ( Claire Julien), Sam, (Taissa Farmiga) e Nicki (Emma Watson). Logo no primeiro dia, Marc confessa sua aparente homossexualidade a Rebecca e esta por sua vez, sem temer ou fazer cerimônia, o coloca dentro de um aparente hobby comum dela: Invadir casas e abrir carros para fazer pequenos roubos. Não, nenhum deles precisam do dinheiro. O ato é apenas por diversão, lazer, anti-tédio, por que é fácil.

Isso porque Los Angeles, a parte Hollywoodyana – não teme roubos ou assaltos. É um lugar onde só convivem a alta classe daquela sociedade.

Em seguida o roteiro assinado também por Sofia, nos conduz numa sucessão de furtos, roubos, arrombamentos – dessa vez na companhia dos já Cinco íntimos amigos, a casas de famosos. O esquema funcionava dessa forma: 

Olha, a paris Hilton estará num evento em Miami “// “Serio? E onde ela mora, pode verificar para mim no Google?”// “É perto daqui, vamos ate lá?”

Assim. Simples, rápido, fácil. Literalmente o crime a um clique de distancia.

Essa forma de conduzir a narrativa através da superficialidade inclusive da própria narrativa sem se importar ou se deter em se aprofundar em temas como o uso indevido de drogas, a maneira como as mansões e as ruas de Los Angeles não tem segurança, como as informações privativas estão a fácil acesso na internet, como tais jovens de famílias estabelecidas decidem se embrenhar num mundo tão perigoso e fútil; não importam para Sofia. Por que Bling Ring mostra a visão da ostentação. A visão de jovens e pessoas no geral que veem na fama o alicerce de suas vidas. Num mundo onde a independência, o acesso a informações, as possibilidades e o vazio comum do século dentro das pessoas é tão presente no nosso dia a dia. O roubo é apenas uma catarse para impulsionar a adrenalina do ato. O principal objetivo é ostentar. 

Roubar e postar as fotos junto as joias, e marcas famosas, no Facebook. Contar sem discriminação o que fizeram com a sensação de que estão arrasando. E arrasam! Em seus mundos, eles se tornam espelhos e não mais sombras de suas celebridades que tanto admiram. Nas mãos de qualquer outro diretor, tal trama não resistiria em traçar um caminho inverso, talvez semelhante aos “Os Bons Companheiros” ou “Trainspotting” ao se embrenhar fundo naquela sociedade e mundo decrépito que escolheram retratar. Teríamos um Bling Ring profundo, de cunho dramático. O que não seria ruim. Porem não pertinente com a proposta se Sofia. O que Sofia quis mostrar, como sempre demonstra em seus trabalhos, é o vazio dessa juventude, o vazio do mundo ao qual ela mesma faz parte, a banalização de conceitos éticos e morais, o descaso muitas vezes dos pais de tal juventude que alimenta com dinheiro e não com valores. Ela mostra o mundo que vemos diariamente e ao qual participamos,. Através das fotos que postamos em nossas contas virtuais, em como nos sentimos importantes ao sair com um tênis caro nas ruas, em como admiramos e imediatamente amamos ou odiamos o dono da Ferrari que passou na rua. Sofia mostra como aos poucos a sociedade começou a cultuar e criar seres de marfim e diamante, sem nada por dentro. Ou melhor, sem nada aparente por dentro. 

Porque quando analisamos Chloe, Nick, Mac, Rebecca e Sam, vemos transtornos de cinco jovens que querem ser mais do que são. Que nasceram sobre o ouro, mas que querem um sentido para aquele ouro ao qual possuem. Que querem ser vistos, mesmo que seja por seus Chanel, Gucci, Tiffany, Cartier e Marc Jacobs.

Aliada a uma trilha sonora certeira com destaque para a faixa de abertura "Crown on the Ground" do Sleigh Bells, e que vai de Azealia Banks e Kanye West a Rihanna, Frank Ocean e MIA; que sintetiza esse mundo tanto nos sons como em suas letras e artistas, o filme ainda tem o ponto positivo de trazer atuações comedidas, mas surpreendentes. 

Ainda que Emma Watson roube as cenas em que aparece, seja pelo seu talento natural em emprestar olhares e entonações coerentes para sua Nicki mesquinha e cínica, que alias é a personagem mais engraçada de um modo ruim, pois ela dentro os cinco é a mais superficial de todas, a típica patricinha tal mãe tal filha que só quer ser a Angelina Jolie- como sua mãe ensina-a a ser, baseada nos ensinamentos de 'O Segredo'- que se entope de antidepressivos e calmantes, dados pela própria mãe, e que tem uma das melhores cenas do longa que é o final, com sua entrevista onde ela olha diretamente para a câmera; é de Katie Chang e Israel Broussard, o destaque. A dupla é a protagonista do longa e seguram com um amadurecimento surpreendente as cenas que exigem ora que demonstrem a escassez de seus personagens ora a profundidade exalada pelo olhar de ambos e a tensão crescente na relação de amizade intensa que ambos adquirem no longa. Assim como Claire Julien e Taissa Farmiga que estão corretas em seus respectivos papeis.

A única falha de Bling Ring esta talvez na escolha ou falha de colocar ao publico, nós, o conhecimento de uma cena em que seguranças pessoais de uma das celebridades roubadas, veem um vídeo de uma das invasões onde Marc surge claro nas imagens, e logo depois o filme segue por mais meia hora sem nenhuma volta à cena. Ela não tem nenhum sentido dentro da narrativa.

Seja na demonstração certeira de mostrar o tom cínico e preocupante de Nicki quando numa montagem genial, é mostrado ela entediada pedindo para irem roubar, para logo em seguida mostrarem ela convincentemente mentindo e dizendo ser vitima dos amigos aos policiais, seja pelo longo plano em que é mostrado Chloe em casa com a família numa cozinha muito clara, em total frieza de relacionamento interpessoal, onde apenas com o som de sirenes de carros de policia aumentando ao fundo, vemos ela percebendo aos poucos que sua prisão esta eminente enquanto seu pai lê uma noticia no jornal, seja pela imprudência demonstrada por seus atos através do roubo de uma arma carregada, e levada por Sam ate a casa de seu namorado, onde a mesma dispara por acidente e ainda assim nenhum dos dois se preocupa ou se alarma com o ocorrido, ou seja pela fala de Marc a investigadora que cuida do caso após serem presos, quando ele cita que ele mesmo se impressiona em como ele ficou famoso, como as pessoas fizeram fã clubes para ele, dizendo que o amam, como ele recebeu num único dia mais de 800 solicitações de amizade no Facebook não por uma ação altruísta mas justamente por algo que aparentemente prejudica a sociedade, e ele ainda destaca o como a sociedade americana é fascinada pela vibe ‘Bonnie & Clyde’ de ser; Bling Ring é uma interessante e pertinente pré-tese acerca de uma realidade crescente em nossa sociedade e o declínio desenfreado na mesma frente a nós – o que dizer da sequência em que os jovens; Rebecca e Marc; entram pela primeira vez na mansão de Paris Hilton, repleto de fotografias dela mesma estampando cada centímetro quadrado do vasto local?-.

Ainda que este esteja para ‘Bonnie & Clyde’ como ‘Os Bons Companheiros’ esta para ‘Trainspotting’, Bling Ring é sim um filme para ser visto analisado – Alias, ate talvez seja o equivalente aos referidos filmes citados para nosso novo século - , principalmente a ser discutido e para ser usado como alerta de uma vazio desenfreado, que seduz e esta cada vez mais cheio. Por mais que pareça um filme direto, Sofia e seu filme são existencialistas afinal.

Se no inicio conseguimos desejar uma Rebecca em nossas vidas, conseguimos emoldura-la como uma ‘diva’, ao final, nos sentimos tão culpados, mesquinhos e decrépitos quanto os cinco jovens presos. 

Coppola nos faz refém e cúmplices daqueles crimes, daquelas declarações, daquelas desculpas e justificativas vãs. Ela nos coloca - seja você jovem ou não - frente a um espelho, e deixa em nossas mãos o martelo, para quebrarmos ele, ou para deixa-lo intacto e usar o martelo para quebrar apenas o Marfim que permeia os olhos daqueles que o assistem. Um bom filme.




Trailer:





 Ficha Técnica: 

Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Annie Fitzgerald, Carlos Miranda, Claire Julien, Emma Watson, G. Mac Brown, Gavin Rossdale, Georgia Rock, Israel Broussard, Janet Song, Katie Chang, Leslie Mann, Lorenzo Hunt, Marc Coppola, Stacy Edwards, Taissa Farmiga
Produção: Roman Coppola, Sofia Coppola, Youree Henley

Fotografia: Harris Savides


(Membros da Gangue Reais e seus respectivos Atores/personagens no Filme)
















domingo, 28 de julho de 2013

Crítica: Elena


“O vazio, mesmo quando cheio é pesado demais. O vácuo também preenche, também esgota.” 




Tudo começa com um sonho. Um sonho de Elena sobre Petra, onde Petra sonha que Elena e ela estão em cima de um muro. Não, onde Petra esta procurando Elena pelas ruas de Nova Yorque, longe de casa, enquanto Petra permanece em cima do muro, e cai. Elena morre. Não, Petra morre e Elena sai à procura de Petra. Não, Petra e Elena morrem e sua mãe sai à procura das duas e a encontram abaixo do muro. Não.

Entre sonhos, realidades, fatos e poesias, Petra Costa, estreia na direção com seu primeiro longa metragem intitulado Elena. Um híbrido entre ficção e documentário, onde ela e sua irmã mais velha Elena que dá nome ao longa se confundem em tela, transpassando gerações, dor, falta, procura e todo um lirismo psicológico, junguiana e atormentador na prova de que laços sanguíneos são de longe os fios que nos ligam ao mundo do outro.

Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar. Deixa Petra, a irmã de sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas. Filmes caseiros, recortes de jornal, um diário. Cartas. A todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Pega o trem que Elena pegou, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos. E acaba descobrindo Elena em um lugar inesperado. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem já não se sabe quem é uma quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir.

Essa é a sinopse e nada poderia ser mais acertado para essa ARTE em todos os sentidos que a palavra e expressão comportam.

Em Elena acompanhamos Petra refazendo os passos da irmã mais velha, que saiu do Brasil rumo à Nova York atrás de seguir a carreira de atriz de cinema. Esse também era o desejo da mãe de ambas, nunca posto em prática. Ela e o marido enfrentaram a ditadura militar brasileira e teriam sido dois das centenas de militantes mortos na guerrilha do Araguaia se não fosse o fato de Elena estar na barriga da mãe- seis meses de gestação-, o que impediu seus pais de embarcarem para a morte da guerrilha. Quando Elena cresceu, após a separação de seus pais, quando Petra ainda tinha sete anos de idade, ela foi estudar e trabalhar em Nova York, buscando seu sonho de ser atriz de Hollywood, aonde chegou inclusive a conhecer Coppola.

O que se sabe é que Elena esta ausente da vida de Petra, e essa após cerca de 2 décadas desde que Elena partiu para NY, resolve recriar os passos de sua irmã Elena em busca de seu paradeiro, reencontrá-la ainda que a descoberta de onde Elena foi parar seja ao mesmo tempo acalentadora e devastadora.
O filme inicia-se com um recorte de imagens de Petra andando pelas ruas de NY, narrando um sonho que teve com sua irmã, onde neste, Elena esta em cima de um muro num emaranhado de fios elétricos. Quando ela olha de novo, ela nota que é ela mesma que esta no muro e não sua irmã. Ela se desespera e tenta se desvencilhar dos fios, cai e morre.

Essa narração em off ao som de Mamas & Papas - Dedicated To The One I Love criam uma rede de significados e de preparação para o longa que na sequencia usa uma sucessão de intercalações entre fatos documentais de lembranças resgatadas por textos narrados, por sons gravados em fita cassete antigo - uma espécie de diário em áudio de Elena, já que esta odiava a própria letra - e imagens de vídeos antigos e caseiros, com filmagens atuais de Petra caminhando a esmo por ruas e becos numa angulação sem simetria e com uma lente que nos faz emergir numa espécie de sonho sendo recordado, refazendo os passos da irmã.
Essa sequencia inicial, já nos coloca a par do que é Elena. Um filme poético, lúdico, de tal imersão visceral e condução emocional ao espectador típicos dos filmes de ficção.

Isso porque, apesar de se tratar de um documentário extremamente pessoal, Elena consegue criar uma conexão com o publico, dos mais variados tipos, e jeitos, idades e épocas. O filme é atemporal num nível artístico raro de se encontrar atualmente não só nos produtos documentais nacionais, mas no geral de realizadores que se embrenham por esse campo do cinema. Quando se opta por realizar uma obra pessoal, com vivencias pessoais, corre-se o risco obvio de limitar sua obra a um nicho de pessoas que conhecem previamente ou que viveram aquela experiência. Porem com Elena isso não acontece por mais que fique claro que a busca e compreensão e sentido de existir daquele filme seja totalmente relevante a diretora, o filme consegue dialogar com o mundo ao propor uma discussão mais ampla, do que a simples busca por compreensão a uma perda e uma saudade. Elena discursa sobre nosso próprio Eu. Sobre nossos próprios sentimentos, sobre nossa própria busca, sobre nossas dores pessoais. Isso é raro.

Aliado a uma trilha sonora marcante, com belas composições e pontuadas com montagens de imagens repletas de simbolismos, como câmeras difusas e na mão, planos abertos contemplativos e imagens desfocadas, ou mesmo retalhos de quadros e elementos da natureza como folhas intensamente vermelhas aludindo a lembranças passados, ou mesmo fluxos de rios e mares, sons de água como fluxo de vida compõe um cenário narrativo perfeito para as narrações em tom suave e extremamente feminino de Petra; que narra de forma pausada mas expressiva cada momento de sua busca pela historia da irmão.

Petra como personagem visual em tela mal aparece de frente, com exceção das imagens de arquivo antigo quando esta era uma criança. Porem quando ela surge, ela se confunde tanto com as imagens de Elena passadas que fica difícil diferenciar quem é quem. A mãe de ambas entra então na narrativa como mais um elemento do tempo para compor essa ideia de que as épocas, os sonhos e as dores daquela família se confundem na vertente feminina ali. Petra é sua mãe e sua mãe é Elena, como Elena também é Petra.

A edição entre os arquivos antigos e os especialmente filmados agora para o longa conseguem se fundir, dando uma linearidade inclusive na arte final, tanto em cor e textura quanto no designer e figurino geral, conseguindo uma fotografia em parcimônia com o todo. O ritmo também é excelente, a procura, a documentação e confusão citada na descrição do longa, adquirem tons de poesia fílmica mesmo ainda que exerçam o papel fundamental em atos distintos. E um texto rico, que em parte é fruto de Elena, de suas memórias; mas em sua maioria da sensibilidade de Petra e claro da terceira, a mãe das duas; que é sensacional do inicio ao fim em seus relatos. As metáforas visualmente falando caem como uma luva e uma dor a mais em tudo isso. Porem é uma dor com prazer; uma dor sofrida e bela que com certeza vale o ingresso, a paciência, as lagrimas e o nó da garganta.

Quando enfim ficamos sabendo qual o destino final de Elena, o baque é tão forte e t tamanho apelo emocional- sem ser forçado ou piegas- em tela para o espectador, que as lagrimas caem de forma branda, sofrida porem natural. O filme é uma experiência dolorosa aqueles que sentem o que Elena sentiu aqueles que sentem essa necessidade existência igual de Petra de seguir e começar a viver e de sua mãe de continuar.

O esquecimento e as lembranças, os sonhos com a realidade, o ficcional com o documental, o prazer e a dor se fundem em tela- após toda a confusão inicial- e criam uma obra coesa e definitivamente soberba.
O que é importante salientar é que Elena é uma viagem não só por dentro dos sentimentos e procura de Petra ao resgate a sua irmã Elena desaparecida dentro de si, mas uma viagem profunda aos maiores medos e angustias do espectador, seja o medo da morte, o medo da perda, o medo da falta e o pior deles, o medo de sentido para a vida.

Sem duvidas Petra criou uma obra de destaque. Um tributo lúdico e extremamente sensível sobre sua própria historia e sobre sua irmã, eternizando-o não só em suas memórias e sentimentos, mas nos de cada pessoa que se deixar apresentar por ela.

Um filme obrigatório aos corações que buscam acalento na busca da vida, nem que seja para se ver ‘doendo’ um pouco mais. Um filme corajoso não só pelo risco de trazer isso tudo em tela e errar, mas acertar em cheio e ainda remoer uma angustia que amedrontaria qualquer ser humano seja ele quem for.

Uma Obra prima, uma pintura audiovisual obrigatória, daquelas de dançar chorando ao som da lua, nas águas de Elena...


"Me vejo tanto em suas palavras que começo a me perder um pouco em você"
"Me afogo em você (...) em Ofélias..."
"Espelhos dentro d'água"


 Trailer:

 

 Vídeo de campanha para o longa feita por atores após assistirem o filme: Quem é Elena?


Ficha Técnica:


Gênero: Documentário
Direção: Petra Costa
Roteiro: Carolina Ziskind, Petra Costa
Produção: Daniela Santos, Julia Bock
Fotografia: Janice d'Avila, Miguel Vassy, Will Etchebehere
Duração: 82 min.
Ano: 2012
País: Brasil