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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Resenha: Jogos Vorazes - A Esperança: parte 1


"É a pior tortura do mundo. 

Esperar enquanto se sabe que não ha nada que se possa fazer..."

"Aquilo que nós mais amamos, é o que acaba por nos destruir"
"Se nós queimarmos, você queimará conosco!"


A série foi inspirada no mito grego de Teseu e o minotauro e nos gladiadores romanos. Valores como lealdade, guerra, pobreza, verdade e amor são abordados durante a trama. A série em si é carregado de DRAMA e possui críticas sobre a sociedade vivida por nós e pelos habitantes da Capital.

Pequena introdução aos meus queridos amigos e principalmente colegas, para entenderem do que se trata e perderem o possível preconceito midiático com o filme.

A maior sacada de Jogos Vorazes, é que ele ao contrario do que ele mesmo se vende, não fala sobre os jogos em si. Os Jogos são alegoria e metáfora para algo mais complexo e maior. Jogos Vorazes é em suma, um filme politico e de estrutura social.

A arena dos Jogos - por mais que remeta ao clássico Livro/Mangá/Filme "Battle Royale" -, é apenas um detalhe para amarrar o embate dos personagens. Alias, como nota, a intenção de ambos é diferente; em ''Royale'', a intenção dos Jogos, é de adversidade e opressão, para mostrar os preceitos humanos, tanto psicológicos, quanto comportamentais. Em Jogos Vorazes, o Jogo, na arena, é alegoria. Ali, o que importa não são os preceitos comportamentais humanos - apesar da base ser a mesma -, mas sim o como que cada personagem representa uma ala social dentro da estrutura politica global. Cada personagem e ação dos mesmos, representa um nicho. O real tema aqui, não é amor adolescente e nem só a ação (alias, demorei para compreender, mas o filme não pode ser classificado como ação ou aventura somente, e sim como drama). Ele mostra a complexa estrutura social e politica da humanidade, especialmente o processo de revitalização e reimplementação do fascismo diante de um povo; com o apoio ou opressão da mídia nisso.

Vejam: O sistema politico aqui, é composto por Distritos que suprem a Capital, que domina todos os distritos. Detém de acordo com o poder econômico, todos os suplementos naturais e sintéticos DOS DISTRITOS e seus moradores, e em troca, fornece uma suposta paz, baseado em uma especie de ditadura militar  e entretenimento.
Em suma, A capital domina os pobres - independente de cor, raça e religião - os massacra e escraviza, os mantem vivos, apenas com o suficiente para sobreviver e com o apoio da mídia - televisiva por exemplo - os manipula, entretendo-os como gado ou uma briga de galos.

Ai entra os Jogos Vorazes em questão. Nada mais é, do que obrigar um povo oprimido a matarem-se, para pura diversão dos mais abastados e em troca eles fazem esses próprios oprimidos entenderem, que isso é o preço a se pagar em troca de "ruas mais seguras", mas que não ha mais direitos civis de liberdade ou democracia... Não ha liberdade de expressão. Para se ter ideia do cenário apocalíptico e tão atual com o nosso, o cinema em si, seria uma ameaça, ainda mais os de critica social.

O que acontece aqui nessa terceira parte é a desconstrução pouco a pouco desse sistema, onde distritos vão caindo e guerreando, mas entendendo que precisam se unir num discurso de esquerda, para reerguer uma nova estrutura social e politica baseada mais na democracia. Para isso a maior arma dos revolucionários e do governo (Capital) é justamente a mídia. Já que a população foi tão condicionada a acreditar em tudo que lhes é imposto na tela como verdade absoluta (vide, Jornal Nacional e a crença de que tudo que a Globo, Record, Veja; dizem é absoluta verdade incontestável), ocorre uma guerra midiática (já estamos em Uma alias galera, aqui no Brasil mesmo, só pegar o exemplo das atuais eleições à presidência), onde a protagonista antes manipulada pela direita  - exemplificando  de forma leiga para a realidade nacional, ou Conservadora para a realidade EUA - (opressora aqui no caso), vira simbolo da revolta da esquerda -  exemplificando de forma leiga para a realidade nacional, ou Progressista  para a realidade dos EUA (distritos no caso).

Porem a questão é mais complexa como toda politica, uma vez que ela estando nesse sistema, independente do lado, ela estará sendo manipulada. Mas a questão é; ate que ponto uma manipulação sera melhor que a outra, já que um muro tem apenas dois lados e não três?

Dirigido por Francis Lawrence e roteirizado por Peter Craig e Danny Strong, Jogos Vorazes - A esperança parte 1, conta com a seguinte sinopse: Quaternário pela resistência ao governo tirânico do presidente Snow (Donald Sutherland), Katniss Everdeen (Jennifer LAWRENCE) está abalada. Temerosa e sem confiança, ela agora vive no Distrito 13 ao lado da mãe (Paula Malcomson) e da irmã, Prim (Willow Shields). A presidente Alma COIN (Julianne Moore) e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) querem que Katniss assuma o papel do tordo, o símbolo que a resistência precisa para mobilizar a população. Após uma certa relutância, Katniss aceita a proposta desde que a resistência se comprometa a resgatar Peeta Mellark (Josh Hutcherson) e os demais Vitoriosos, mantidos prisioneiros pela Capital.

E é nesse clima que o filme assume paletas de cores mais frias e sóbrias, puxadas para o cinza e tons pasteis, abandonando a fantasia e tom fantástico dos dois longas anteriores e assumindo características mais reais. É notável o modo como Francis demonstra uma direção segura e firme ao introduzir um clima de guerra ao filme, com a utilização de movimentos de câmera, planos e montagem paralela - alias, que montagem eficaz! - que não só dão o tom de urgência e perigo às cenas, como formam um ritmo narrativo que prende.

Ia evitar falar sobre as atuações, mas é impossível não notar o plausível estudo de personagens que o roteiro exibe aqui nesta "A Esperança", ao mostrar os desdobramentos psicológicos diante dos efeitos que a guerra e os Jogos (sempre em letra maiúscula) trouxeram àquela realidade.
A protagonista Katniss assume o papel de heroína, não pelas ações que executa, mas pela situação que se encontra e pela imagem que se constrói. Alias, esse é um mérito do filme/serie no geral. Ele não elege heroínas e heróis apenas por excelência da situação, mas pelos desdobramentos que constroem eles como heróis. Heroísmo é imagem (só se tornam heróis, àqueles que anunciam essa imagem como tal, caso contrario, sem a imagem trabalhada, somos apenas bem feitores, e isso não vende).

O poder que isso traz para a critica midiática que o filme faz é enorme. E infelizmente tão real e contemporâneo; que Jogos Vorazes poderia facilmente assumir o papel de filme de terror.
Outro ponto positivo e a dualidade e dubilidade que os personagens assumem aqui. Onde cada ação traz uma reação adversa, igualmente e potencialmente destruidora.

Não por acaso, a cena em que há a destruição de uma represa, representa semioticamente bem a situação de Panen. a Capital é a represa, contida e controlada, mas limitada àquelas que estão do lado interno do concreto que prende aquelas águas. Quando a rebelião começa explodindo aquela represa, a água se dissipa, afogando e arrastando a tudo e a todos - seja pela falta da água do lado interno, quanto pela inundação do lado externo. E aí que é a questão: quando a rebelião começa, é água feroz - voraz - para todos os lados. Como conter? E ate que ponto essa contenção não se tornara uma nova represa fechada?

Alias, os signos nessa serie/filme são interessantes e complexos ao demonstrar a coesão com que a autora dos livros- já que mesmo não lendo a eles, sei que são a base para o roteiro - constrói, indo alem da simples aventura adolescente.
Não por acaso, a protagonista que tem como simbolo de luta, o arco e flecha, durante toda a projeção, deve lançar de uma a duas flechas no total. Porque aqui, nesta guerra, as armas são o de menos. A guerra vai alem de corpos mutilados e assassinatos. A guerra é estrutural e não somente física, ainda que ela atinja o corpo.

E quando um blockbuster consegue se ater a ter a preocupação em educar, refletir e questionar seu espectador, sem deixar de lado a ação/explosões mas sem se limitar a apenas isso, é de se aplaudir.
Ponto para a trilha sonora atual e pop que o filme adotou, bem como a sonoplastia que deve lhe render algumas premiações ou indicações.

Se for para apontar um defeito, talvez seja algumas questões técnicas pontuais, nada graves, nada que comprometa a narrativa e o andamento do filme, e talvez a escolha da divisão em duas partes. Sem ter lido os livros é difícil afirmar que não era necessária a divisão, pois não sei quanto conteúdo ainda falta - narrativamente - para sua conclusão. Mas o terceira ato do filme, fica comprometido em sua resolução, uma vez que o ritmo catártico é interrompido em seu climax. Ainda que para aquela estrutura, todos os conflitos ali concentrados tenham sido resolvidos, a trama como um todo sofre.

Assim, eu gostaria muito de ter visto um filme só, ainda que fosse durar 5 horas - coisa que ele poderia se beneficiar, já que novamente aponto que sua métrica rítmica foi precisa -.
No mais, ao final da projeção, é quase impossível não assoviar com a canção do tordo, e não sucumbir a vontade de levantar a mão esquerda, e estender os três dedos da mão e beija-la em tributo ao distrito 12...

Ótimo!


"Are you, are you
Coming to the tree?
Where they strung up a man they say murdered three."


Ficha Técnica:

Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson
Elizabeth Banks, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Peter Craig, Danny Strong
Fotografia: Jo Willems
Ano: 2014

Trailer:





Música d'O Tordo: