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domingo, 21 de junho de 2020

Foi


Não foi por bala perdida, nem autografada. Não foi por facada, nem envenenamento.
Não foi acidente de carro, ou domiciliar.
Foi por causa de uma mesa de bar escondida, uma festinha rapidinha pra matar a saudade de balada,
Foi pela comprinha super em promoção no shopping,
Foi por causa da fila do estacionamento, por causa da unha e do cabelo que estavam uó.
Foi por causa da Pipa na rua e da visitinha super tranquila pra comentar o final da reprise da novela.
Foi pela compra de salgadinho indispensável no mercado, a roupinha super em liquidação da loja,
Foi pela transa que não podia mais esperar se não o corpo iria explodir.
Foi pela esteira que não tinha como ficar muito tempo sem uso da academia,
Foi pela corrida indispensável na orla pra manter a saúde, pq a corda em casa não dava conta...
Foi pela ESCOLHA em votar nulo/branco,
Foi por preferir "a multa de três reais" com orgulho,
Foi por escolher um "muda Brasil",
Foi por ser cúmplice de um Genocida calado
Foi pela viagem a Paris, foi pela economia
Foi pela tangente, pelos tubos de uma UTI
Foi pela respiração falha seguida de silêncio em casa num dia qualquer,
Foi pela não despedida, pela vela não acendida
Pelo enterro não assistido,
Foi pq se foi. Foi mãe, filha, filho, neto, tio, sobrinho, afilhada, pai, avó, amigo, esposa, namorado, aluno, professora, colega. Foi-se.
Foi dez, foi cem, foi ontem mais mil, hoje mais outro mil. Foi dez mil, mais vinte mil. Foi cinquenta mil almas, foi mais foi, que 'afora' mais amanhã tbm.
Foi pela máscara abaixo do nariz...

sábado, 23 de março de 2019

Noite Inteira - Pitty e o som da Bandeira Que Ainda Pulsa




Matriz.

Tudo aquilo que é considerado base, alicerce. Pode significar algo diverso em vários nichos e área. É o órgão das fêmeas dos mamíferos, na cavidade pélvica, onde o embrião e posteriormente o feto se desenvolvem. O útero.
É lugar onde algo é gerado e/ou criado.
No sentido figurado, é aquilo que é fonte ou origem.
"aquele gesto foi a matriz da revolta".
Até na agricultura, é a planta da qual se retiram mudas para reprodução.
E mesmo na indústria fonográfica, é a chapa metálica que serve de base pra feitura e prensagem de discos.

Em Noite Inteira, Pitty parece ter pegado todos esses conceitos que servem de forma alegórica para explicar o nome de seu novo álbum - Matriz - previsto pra ser lançado em meados de Abril, para estruturar todo o cerne da canção. Ao contrário da apresentação ao vivo da música ocorrida em um show no Rio de Janeiro, ano passado, a versão oficial de estúdio, perde a visceralidade de combate, dada pela catarse coletiva humana que carrega, e ganha ares quase oníricos. Não, não perde. Talvez, condense-a

Como se estivéssemos presenciando um mundo distópico e psicodélico, com sons e zumbidos dispersos, mas que mantém a mente em alerta. Há uma espécie de "pio" na harmonização vocal que costura cada ponte da música, que por falta de referência melhor pensada, me recordou a canção "Eu" da banda Pato Fu. Isso pq, há alguns toques de música eletrônica nessa harmonização, que me lembrou o uso do teremim (ainda que esteja não esteja contido de fato aqui), um instrumento musical eletromagnético cujos sons são obtidos com movimentos da mão. Quando a mão se aproxima do teremim, o som fica agudo. Quando se afasta, fica grave.
Além de produzir os barulhos "marcianos" dos filmes trash de terror, o peculiar instrumento inventado por um russo capturado pela KGB, é considerado uma espécie de precursor do sintetizador, ou seja, da própria música eletrônica. Não sei até que ponto essa foi a intenção dessa harmonização - remeter a isso - mas orna completamente com a proposta anunciada pela Artista, sobre sua Matriz.

A bateria ganha ares de bumbo (soa como tal), abafado, que faz toda a canção se assemelhar a uma faixa antiga (ainda que contenha nuances metalizadas). Saída de algum disco de vinil empoeirado, achado nos destroços de alguma ocupação recém abandonada. É como se ouvissemos Noite Inteira ser entoada através de um gramofone. E isso não é ruim. Pelo contrário. Essa "sujeira" e "ruídos", conceitua com toda a estética e tema que a música parece pedir.

Mas, essa impressão - antiga -  não se estende a letra. Aqui sim, a visceralidade está presente e intacta como já se viu ao vivo. Já na primeira parte do refrão, Noite Inteira ganha status de hino, de manifesto. Ao refletir e explicitar todo o sentido de luta e resistência atual do nosso país. A lembrança de que "estar na rua é pra vida inteira". Ocupar espaço, atingir a liberdade e cada direito através da luta. Da voz. Do manifesto. Da revolução.
E aqui, ela usa a Revolução, pra conceder a canção, numa virada sensacional, uma nota de tango argentino, ou de uma salsa quase burlesca, talvez resquícios de bolero tímido, não sei, amparados pela voz potente e dessa vez um ainda mais imponente de Lazzo Matumbi, a lenda baiana, que entoa "Respeite a existência ou, espere Resistência".

E isso vindo de um homem negro da Bahia, que construiu o próprio nome e trabalho em resistência e combate através de sua arte, ganha uma representatividade e símbologia tremenda. Ainda arraigada à sua Matriz, Nancy Viegas, surge como o som de um sopro, permeando toda a faixa. Um senhor negro e uma mulher, ambos de combate e resistência em cenários dispersos e semelhantes, numa música que fala sobre resistir e lutar. Sobre o direito de estar. Sem cansar. Sem planejamento de fim.

"Pra pertencer e ser, em toda esquina", Pitty nos lembra que é preciso entrar em Guerra. Não guerra com quartel. Nem com armas de fogo. Não guerra de mortes e violência. Mas, guerra de levantar-se, ocupar, falar, bradar, resistir e reexistir. Uma guerra de força. Força humana. Energia humana. De sociedade. De coletivo. Olhar pra quem se estende e lhe estende a mão nessa guerra. Nesse embate. Entender por fim, que o caminho rumo a direitos e liberdade, de ser quem se é, te ter o que se tem direito de ter, é uma longa estrada. Uma ladeira. Que ao tentar subir, se encontram derradeiros e insistentes "nãos" por parte de quem possui poder. Enquanto que, pra descer por ela, são "sim, atrás de sim", lhe empurrando pro precipício. E estar nessa ladeira, mesmo em queda, se recusando a deixar de subir, é o grande segredo. É a grande peleja. É o caminho pra mansidão!

Noite Inteira, como a bandeira, ao pulsar se mostra sangrenta. Vermelha, Negra e com suspiros de luz na escuridão. É uma música madrugal, soturna, que embala até mesmo, a mais íngreme ladeira. Gente viva! Unindo aspirações do passado, em diante, de um difícil, mas já com o som devido, futuro.

Afinal, se compreende que como já dizia Elza Soares certa vez: o futuro é agora!

~Sobre o Clipe:


Hoje às 19h15 pontualmente, rolou a estreia do clipe da música, junto a uma live no Instagram da roqueira. O clipe que tem direção de Carlos Pedreañez e ilustrações de Paulo Pires, é todo em animação 3D com ilustrações texturizadas e de rotoscopia (técnica de animação onde um modelo humano é filmado ou fotografado em sequência e o desenho é feito com base nessa "captura". Através do uso do aparato chamado rodoscopio. Essa técnica é super antiga e tem exemplos diversos em animações como Branca de Neve e os Sete Anões, Alice no País das Maravilhas, e até mesmo jogos de vídeo game e mesmo filmes em live Action como Star Wars, clipes como o clássico do A-ha.  Pode ser usado para animar seguindo uma referência filmada tbm. Ele pode ser considerado um precursor da moderna captura de movimento digital).


Que segundo a própria Pitty na live, foi feita em parte através de fotografias e captura de imagens durante a estrada.

O clipe funciona quase que como uma apresentação, ou abertura de série, no melhor estilo telão de show, para o álbum (ainda nem lançado). Parece uma abertura visual. Tem esse cunho. Mostra Pitty como figura central, tendo sua mente e pensamentos e aflições expostas. A respeito do tempo, e da sociedade em que vive. Sobretudo através do olhar que tem do próprio espelho. Pitty olhando pra si. Pra dentro de si e externando o que o mundo passa. Nesse sentido exato o clipe parece ser quase um teaser dessa Matriz. Uma viagem por dentro da mente de Pitty. De seus olhos, constantemente em evidência das imagens animadas. Ao fundo, cenas de protestos, de embates de rua. De uma cidade sitiada. Por uma energia animal. De engravatados e rugidos.

Há uma referência a Pachamama através de cartas que lembram as de tarot (curiosamente sob as águas de uma torneira).


Pachamama é considerada em diversas culturas como A Deusa Maior, A Mãe Terra é a principalmente nos Andes, Bolivia e Peru, relacionada também à terra, fertilidade, mãe e principalmente Aquela que representa uma grandiosa divindade feminina.

Pacha Mama ou Pachamama é a Deusa da fertilidade ou a maior Divindade feminina cultuada em diversas culturas – principalmente a Inca -, onde ela teve suas origens na mitologia do mesmo local. Seu nome deriva-se de Quéchua, uma antiga língua utilizada pelos povos andinos, anteriores aos Incas. Pachamama, tem o significado de “Mãe Terra” ou o verdadeiro significado como ” Mãe de todos”, lembrando que Mama é “Mãe”, e o Pacha como “terra”, “mundo”,”cosmos”, assim chamada também de “Mãe Cósmica”.


Mesmo com a invasão dos espanhóis nas terras Incas – e depois de terem destruído quase tudo -, as representações escupidas ou desenhadas da Pachamama ainda seguem vivas e foram preservadas, continuando permear seus mistérios por toda cultura andina até nos dias de hoje.

Segundo a história, as mulheres não tinham poder dentro da civilização Inca, mas foram figuras cruciais para montarem o sistema de crenças de toda a sociedade, isto é, se transformaram no motivo pelo qual tudo existe e passaram a ser partes essenciais das instituições religiosas. Por isso que dentro de todo esse encadeamento de cultura, Pachamama é a figura central e Aquela Mãe geradora de vida, que doa sentido e alma para todos, tanto para os seres humanos quanto para a terra.


É possível também enxergar outras cartas simbolizando outras mitologias e crenças, até mesma a esfinge. Assim, o clipe adota uma enxurrada de simbolismos e significados que voltam a nos trazer a ideia de Matriz, de Base, de essência, mas com visão de futuro. Como um museu ou um livro de história. Olhar pro passado e resgatar a energia necessária pra combater o presente, pra modificar e salvar o futuro.

O clipe nada mais é do que um "gosto" do que o álbum promete oferecer a respeito da visão de mundo e de si mesmo, de Pitty atualmente.

Link para o clipe: https://youtu.be/DbIRvTW2PFA

Ou através do player abaixo:



*. "Noite INTEIRA" está disponível pra venda e audição em todas as plataformas de música. 







sábado, 23 de dezembro de 2017

Explanação Critica de "Mother!" - Com Spoilers

"Você nunca me amou. Você ama, o amor que eu tenho por você."

"Eu sou o que sou"





*(Talvez spoiler. Explanação sobre a Obra)*


Quando Aronofsky encontra seu lado Lars Von Trier, e desencadeia um instinto Polanski, que cruza com Tarkovsky, nos temos A Cria, A Criação e As Criaturas sob e sobre os olhares da Mãe, em meio a reflexos de Lynch.

A nova Obra Prima de Darren é um ode ao horror e ao quase surreal, que não só carrega o universo todo de camadas e, possibilidades interpretativas, como se torna um filme de gênero próprio de representação de um pesadelo. Humano ou divino.
E vai psicanálise e religiosismos. Ou ate mesmo filosofias e manejos sociais. E ha um caráter aqui e ali de estrutura existencialista pra completar o Big Bang todo que implode em tela.
Fato é, que "Mother!" não é um filme qualquer. E classifica-lo como tal, é um erro ingênuo ou no mínimo irresponsável. Em suma,
Nem sobre a bíblia e o divino, nem sobre o feminino e a natureza essencialmente. Mas sim sobre a Criação. O processo de criação da própria arte. Da própria existência, no sentido amplo da expressão e não da vida humana ou de átomos e células. Criação do artista. Criação do que faz existir Cinema e arte em si. O parto, o fanatismo, a idolatria. O desespero. O zelo, a angustia, a solidão, o caos, a dor, o flagelo, o sacrifício, a realização e a ira. 

A morte e o exorcismo. O culto, a confusão, o silêncio e o gritar do descontrole. A ruína e o gozo da celebração da voz interna ganhando forma e vida, e a destruição ou suicídio completo, para ter que renascer de novo e de novo, nessa eterna busca do Criador, do artista, do escritor, do cineasta, de sempre precisar criar. E parir algo no mundo, pro mundo, pelo mundo e através do mundo.

Cada vivência pontual ou de anos de cada espectador terá uma interpretação de sentido narrativo pessoal. Pra Darren, o mote é o novo e o velho testamento. É a mãe natureza ganhando forma física de carne, osso, sangue e Espírito. Mas, ele também flerta através do feminino, sobre a figura quase de Mito da Mulher na vida humana. E não somente isso, esse mito transformado em gênero social e sua relação com o masculino ora opressivo de máscara protetora mas sempre, devotada. Fala no entanto, também sobre o processo criativo de todo artista. Que seja pelo amor, pelo caos, pela solidão, precisa criar um niilismo apoteótico e quase apocalíptico dentro de si, inclusive através de sua Musa, para criar.

Mother! Fala da mãe, da deusa interna, a deusa que existe pela superfície ou profundeza de todos aqueles que criam. E a partir daí se desmembra visões bíblicas ou terrenas dependendo do contexto e percepção que cada criador ou criatura ou ainda receptores de criações se permitirem criar a partir dele.

Mother! A mãe, é a casa. O lar. A base. É o universo interno e externo. A inspiração e o dom. A válvula de escape e de concentração. Ela representa tudo que gere, que alimenta, que cuida, que protege. E por isso mesmo é a única com força suficiente pra também destruir. Ainda que não por artifícios próprios. Paciente e passiva sobre tudo e todos inclusive a ela mesma, ela segue fielmente seu amor por Ele. O Criador. O Poeta. O Artista. O Senhor. Deus.

E como A Casa, possui vida. O design de som faz um trabalho brilhante, onde cada rangido, cada soalho, cada palito espetado numa tortade maçã, ressoam.
Assim quando surgem o Medico, Adão, ou apenas "ele", e posteriormente "ela", Eva ou Lilith, após "ele" ter sua costela arrancada por "Ele" enquanto vomita seu próprio coração podre pelos vícios do prazer, a Mãe, se retrai. Enciumada, desconfia da benevolência daquelas vidas que vem ameaçar sua morada que tenta transformar com as próprias mãos em um paraíso. 

Então, surgem Caim e Abel e como profetizado se destroem por ganancia e poder. E após destruírem não só o lar imaculado da Mãe com sangue e violência e morte, ainda destroem o fruto proibido da chave de toda a existência da criação do Poeta. Destroem em seu gabinete de criação. Eva que também é Lilith, também é cobra, sem fruto, destrói a joia pessoal de Deus. Joia que nada mais é do que o amor incondicional puro e pleno e sem falhas da Mãe (de uma antiga realidade), arrancado apos incinerado e massacrado apenas para ser refeita quantas vezes o Criador precisar criar.

É ego. É soberba. É o sentido de pertencimento e de achar sentido pro existir. Sobre isso que "Mother!" fala. E isso se torna um desatino desesperador de horror de pesadelo de megalomania de insanidade e tudo aquilo que não cabem em explicações. Do Paraíso ao Inferno. 

Por vezes a Mãe assume o papel de diferentes personas e mitos. E a história humana atravessa Eras num desfecho insuportável.

Um equivoco - em aberto, uma vez que realmente o filme possui infinitas camadas apazes de possuir a interpretação pessoal para cada espectador, ainda que ele possua uma base de coerência fixa - que é constante no que li apos o filme, é que as pessoas consideram que Mother, assume o mito de Maria na parcela final do filme. Na realidade, Maria no mito, se desprendendo da figura humana de carne e osso, da pessoa ali, ela como simbolismo representa a Terra, a vida terrena e mortal. Ela é um instrumento, um fio condutor de humanidade que Deus utiliza para tornar seu filho divino parte mortal. Por tanto, o ato da Mother dar a luz aquele filho, nada mais é do que a representação de que Jesus veio sendo filho de Deus e da "Deusa" equivalente ao próprio Deus, a Natureza. E aqui falo do mito por trás e não da literalidade da bíblia seja em qual crença ela for, falo de signos que é o que o diretor utiliza quando elabora roteiros em volta dela.


Signos tais, como por exemplo essa cena ao lado, da lavanderia que fica abaixo da Casa. Lugar onde o Poeta não entra nunca. Com exceção dos minutos finais, e mesmo assim permanece no limite da entrada, nunca alem. Lugar em que Eva/Lillith destila seu veneno e lascividade mais incomodo ate então, onde a Mãe vai para justamente limpar coisas sujas. Notem que ali é onde ficam produtos de limpeza, onde se lava roupa suja. Seria o purgatório? Talvez. De fato, a abertura que a Mãe encontra apos o pecado supremo do assassinato de "Abel" ocorrer, com o sangue manchando de maneira eterna a Casa, e levando ela ate esse espaço na parede, surge como um Inferno. A criação dele, de onde a Mãe ao final busca o combustível inflamável para destruir tudo.

Temos signos infinitos a cada dez minutos de projeção. Com uma câmera claustrofóbica e tonta por vezes, que nos faz virar a Mãe. Respirar com ela, sofrer com ela, suportar com ela e enfurecer com ela. Ha sutileza em detalhes, construídos ora com textos, ora com luz, ora com cores, ora com imagens, ora com atuações. E por vezes é previsível e nada sutil. Como demonstra realmente querer o ser.
Mother! É uma experiência brutal. Para o bem ou para o mal. Seja como for é o típico filme/obra que nasce esporadicamente uma vez a cada 10 anos, em que se é impossível, odiando ou amando, passar por ele despercebido.

Sem sentir nada. Seja asco, seja prepotência, seja admiração ou medo. Seja revolta ou apatia. Mas ele entra na pele e causa reação. E São raros os filmes que podem se dar ao luxo desse feito.
Perigoso e deslumbrantemente asqueroso e incomodo.

Darren, prova aqui, que é um diretor autoral que sendo amado ou ignorado, possui um controle exato de suas próprias histórias. Do que elas são e pra onde irão.
Exibindo uma superestima de si mesmo ou não. A comparação aqui com Lars não é atoa. Mas, me atreveria a dizer que ate mesmo Lars não se arriscaria de tal forma.

Uma sinfonia criativa e insana. Um cristal, pra quem se permitir e conseguir extrai-lo e descobri-lo em meio as cinzas do músculo podre e carbonizado de mãe sacrificado pelo Amor que doou, e permanece doando mesmo que a gente continue a desrespeitar seu lar...
Ps: Talvez seja a primeira vez que não enxerguei a atriz JLaw e sim a personagem. Todos os filmes dela assim como ocorre com os filmes da Emma Watson por exemplo, que por mais que ame ambas, eu sempre fico com a impressão que o nome a figura da atriz é maior que o personagem. Então sempre só enxergo a pessoa. aqui não. Aqui me desliguei completamente de que estava vendo a Jlaw e isso é um trabalho genial da própria atriz e do diretor de conseguir dirigir ela ao ponto de apagar essa imagem do nome dela.



sábado, 7 de outubro de 2017

Pajubá - O Terrorismo Marginal, Preto e Revolucionário de Linn da Quebrada (Resenha)



"Pajubá é o nome da linguagem popular constituída da inserção em língua portuguesa de numerosas palavras e expressões provenientes de línguas africanas ocidentais, muito usado pelo chamado povo do santo, praticantes de religiões afro-brasileiras como candomblé e umbanda, e também por mulheres transexuais e pela comunidade LGBT como um todo.

A linguagem é baseada em várias línguas africanas umbundo, kimbundo, kikongo, nagô, egbá, ewe, fon e iorubá, usadas inicialmente em terreiros de candomblé. Criado originalmente de forma espontânea em regiões de mais forte presença africana no Brasil, como terreiros de umbanda e candomblé, o dialeto resultante da assimilação de africanismos de uso corrente, por resultar incompreensível para quem não aprendesse previamente seus significados, passou a ser usada também como código entre travestis e posteriormente adotado por todas as comunidades LGBT+"

E foi esse o nome escolhido por Linn da Quebrada para ser título de seu novo álbum de financiamento coletivo,  que por si só, complementa a ordem de militância lgbt+ de seu conteúdo.

Com letras que recorrem a expressões diretas sobre sexualidade e gênero, Linn da Quebrada surge com um Álbum que lembra a importância carregada de simbologias e discursos de liberdade que a era da Valesca do funk trouxe pro feminismo de liberdade sexual feminina. Linn assume esse papel mas, de maneira terrorista como a própria declara, demonstrando um alento de liberdade e controle sobre o próprio corpo de preta, travesti, periférica, afeminada e bicha.

Todas as canções que compõem o álbum trazem em seu cerne repetições como afirmações, de termos como cu, piroca, pica, rabo, macho, bixa, afeminada. Como uma maneira de ditar que os corpos marginalizados das travestia e bixas afeminadas lhes possui. São delas, para serem vivenciadas como bem quiserem. É quase como um ritual de percepção e de desbravamento por ocupação de seus espaços de direito negados pela sociedade e pela heteronormatividade cis branca e patriarcal. O corpo da travesti por si só é uma subversão dos padrões estabelecidos pela sociedade que molda e determina como devem ser feitos, vistos e usados. Por ser preta, Linn ainda se utiliza de sua negritude para trazer mais peso nas batidas e acordes das músicas remetendo a cânticos e rituais tribais. A sonoridade que mescla funk com distorções e sintetismos quase que de maneira psicodélica quando se escuta com fones de ouvido - tanto nos instrumentos como na voz, que possui camadas que flertam justamente com o feminino e o masculino, o erótico e o bruto - ganham ares de palavra de ordem contra conservadorismos e a marginalização.

Linn canta que não é feita pra se esconder. Não é feita para ser usada quando não queira, que não é ela ou ele. Que Linn é Linn.  Assim como as travestis são travestis. Ela canta sobre opressões e discriminações através de estereótipos de gênero e conduta. Canta sobre sexualidade vasta sem regras e de independência pelo próprio prazer. Canta sobre a carne negra que resiste e grita, pra de dor e ora de terror. Canta sobre como as vielas dos becos das favelas e pontes são semelhantes as vias das veias, do sangue e das rachaduras que o povo lgbt+ carrega por existir. Pajubá, ironicamente utiliza desse "dicionário" da cultura lgbt+ para fazer-se entender de forma reta. Sem entrelinhas.

De forma suja, nojenta, baixa, vulgar, sombria e verdadeira. Um trabalho que ganha contornos de obra artística quando percebido através dos áudio videos em seu canal do YouTube para todas as 14 faixas. Com participações de Mulher Pepita, Liniker, Gloria Groove dentre outres, Linn da Quebrada parece ter deixado claramente escuro, que chegou a hora do mercado fonográfico abrir espaço não só pra cis gays ou cis lésbicas e bis, ou para drags. Mas, chegou a hora de transvestir-se para ser ocupado pelas travestys.

Nem que esse espaço tenha que ser aberto a força, como um Ocâni odara didê num edí.

Necessário e (re) existência.
Minhas preferidas: "Submissa do 7° dia", "Bixa Travesty", "Transudo", "Necomancia", "Enviadescer", "Pirigoza" e "Serei A".


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Na Pele - O Mergulho de Elza e Pitty

Em meados de 2013, Pitty começava a se preparar pra retornar aos palcos e, assim, lançar seu mais recente álbum que nasceria em 2014 sob o título de "Setevidas".

O álbum contava com uma narrativa cíclica onde Pitty mostrava todo seu processo de vivência dos últimos anos, desde uma experiência de quase morte, ate as perdas profundas de várias formas e contextos. No álbum, era como se víssemos ela se reconectando com uma essência que estava aprendendo ou reaprendendo a enxergar. E pra isso, ela passa por estágios de busca e fusão com uma selvageria e sabedoria animal, ate a conceitos de elementos de alquimia e crenças à Ouroboros com direito a mantra de Shyva.

No entanto, uma música fora concebida nesse processo, mas não parecia que possuía ainda lugar no mundo. A música não parecia ornar com aquela narrativa de Setevidas.

3 anos depois, a música achou seu caminho pra nascer. Através da Voz do Milênio.
''Na Pele'', letra de Pitty dada de presente a Elza Soares, parece ter sido criada pra ser entoada pela voz única da Mulher do Fim do Mundo. Lançada na madrugada do dia 03 pro dia 04 de Agosto, a musica desde seu arranjo denso e sombrio, com uma aura de profundidade que expressa diversas interpretações e sentidos. Ate a sua letra, que não só remete diretamente de forma incrível a trajetória de Elza, como a de cada pessoa, principalmente de minorias sociais, oprimidas e que precisam lutar e resistir mil vezes mais pra sobreviver e nesse espaço de tempo, tentar achar modos de, de fato, viver.

Podemos enxergar a batalha de cada mulher no mundo, que carrega na pele, na raça, na resistência, marcas e rachaduras profundas - às vezes visíveis, às vezes ocultas - das pancadas e dificuldades da vida. Podemos enxergar de maneira maior, ate mesmo um paralelo pontual com a situação global e de situação política do país. Onde um povo saturado e por vezes cansado de caminhos esguios, continuamente se afogando e renascendo sobre e, sob as águas de lamúrias e guerrilhas. pra continuar existindo.

Na Pele recebe assim, características de Hino. Um hino atemporal, com ares de rock tanto por sua atmosfera, quanto pela presença dessas duas mulheres distintas e roqueiras, cada qual a sua maneira.

Em 2015, através do álbum, de inéditas ''A Mulher do Fim do Mundo'', Elza ressurgiu feito fênix, ornamentada em seu trono digna de uma orixá divina e sobre-humana, entoando cânticos e mantras de resiliência e força. De tristezas profundas, mas também de amor. De dores alem da imaginação e de uma mulher negra que insiste em permanecer seu caminho através de sua voz, presença e sabedoria.

O fim do mundo de Elza não tem fim. Ele é eterno e contínuo. Entre Ouroboros na terra e a Fênix no fogo. O Álbum, perpassa também uma essência de reconexão dessa mulher, com seu mais profundo instinto animal. Prazer, Luta, Empoderamento feminino, social e politico. Um Álbum Obra, na arte.


Na Pele, quase que completa o ciclo de elementos. Se Pitty explorara em seu "Sete", elementos como a terra, o ar, e o fogo - assim como Elza em seu "Fim do Mundo" -, em Na Pele, temos a água. Pela metáfora da água, que nos banha, nos afoga, da onde a vida se faz cria e recria, de onde é possível desbravar mundos jamais conhecidos pelo homem, em profundidade, escuridão e cores diversas. Pela água que chove e evapora, que congela e derrete. Entre veios - fissuras - vales, e leitos que não repousam. Tal qual a vida de Elza. Tal qual a percepção de cada mulher ainda no mundo. De cada travesti feito Benedita de Elza. Tal qual cada pessoa oprimida de pele preta e pobre também. Tal qual a vida. E há quem acredite que o quinto elemento - a alma - possa vir através dessa união.

A poesia da música transcende explicação, ainda que tenha compressão imediata a cada um.

Esse que escreve, por exemplo, se ouviu e sentiu pelo timbre cansado e vivo da DElza e pela suavidade já não tão rara hoje em dia, mas densa de Pitty, através da depressão que lhe consome e que se enxergou sendo traduzida em versos como: "se essas são marcas externas, imagine as de dentro''. 

Água que traduz lágrimas e saliva pra umedecer e não emudecer boca seca e muda.
Entre aventuras e fugas.

No clipe, lançado hoje, dia 07 de Agosto (não por acaso, quando pensamos em energias do universo, dia em que a Lei Maria da Penha completa 11 anos, e com a qual Elza já retomara o assunto continuo em sua carreira, através do outro hino "Maria da Vila Matilde"), dirigido por Daniel Ferro, ambas mulheres, do passado e do futuro, nos mostram entre recortes de arquivos que contam parte da trajetória de Elza pelo Tempo, a força presente em ambas pra cantar o que trazem consigo. Em suas jovens rugas de risos, ora rasos, pra rotos.

Fincadas em figurinos igualmente simbólicos, o clipe mescla imagens dessa trajetória de Elza, com as duas artistas em solo de terra seca, com galhos e arvores. Que remetem, tanto ao tempo, quanto a própria criação. Tanto pelo elemento da terra em contraponto com a água e o fogo, quanto a força de renovação da natureza inerente a todos nos enquanto animais vivos. Há passagens através de fotos e videos, de sua carreira pela musica, e cinema, da mãe de Elza, de seu filho que transcendeu o plano terreno ainda jovem, e de Garrincha com quem Elza fora casada.

Com um jogo de luz e sombras, a face próxima aos 40 de Pitty, se confundem com a face dos 80 de Elza. Quase como se essas duas mulheres fossem uma só. Pele branca de textura jovem e alma antiga, e pele negra, de textura vivida e vívida e alma sempre jovem. Concretizando esse encontro de gerações.

Elza disse numa entrevista: "Quando recebi 'Na Pele', foi na pele mesmo que senti. Me arrepiei. Identificação total, cara. Quando li o trecho 'o olhar tentado e atento. Se essas são marcas externas, imagine as de dentro'. Ali tomei coragem e escutei, enlouqueci. Pitty é doce e rocha ao mesmo tempo. É como se de algum modo eu me enxergasse no olhar dela, uma Elza lá de trás. Estranho é que quando ela me olha, sinto como se enxergasse uma Pitty lá da frente. A música selou essa conexão maluca", afirmou em comunicado à imprensa."

No icônico Trono de Elza Soares, Pitty se senta, para que em seu lugar, Elza se sustente de Pé. Formando assim, talvez, a sequência mais forte e significativa dessa experiência.

Quando se pensa em toda a história de vida de Elza, entre abusos, mortes, enfermidades, discriminações, racismos, machucados - literalmente - carregados em cicatrizes sob a pele, ossos, memória e coração, Na Pele surge enfim como uma Oração.

E ao final, o que nos resta é sentir a bênção dessas gotas e, deixa-las serem absorvidas pela pele, e amém.
É dar play e mergulhar.



Ficha Técnica do Clipe: 

Direção e edição: Daniel Ferro
Produção: Nathy Kiedis
Direção de Fotografia: Riccardo Melchiades
Finalização e cor: Daniel Ferro e Riccardo Melchiades
Assistente de direção: Pv Cappelli
Diretora de arte: Beatriz Moysés
Video Mapping: Ana Carolina Beraldo
Vídeo Mapper: Aninha Beraldo
Efeitos Visuais: Pedro Magalhães
Eletricistas: Jorge Pimentel, Igor Fabio, Damião Castro e Gleason Barbosa
Assistente de Produção: Rômulo Junqueira
Styling Elza Soares: Léo Belicha
Assistente Styling Elza Soares: Kaká Toy
Beauty Elza Soares: Wesley Pachu
Styling Pitty: Juliana Maia
Beauty Pitty: Omar Bergea



Letra:

Composição: Pitty
Interpretes: Elza Soares e Pitty
Músicos: Duda (bateria), Guilherme Kastrup (percussão), Marcelo Cabral (baixo e synth), Martin (guitarra) e Rodrigo Campos (guitarra).


Na Pele


Arte de Capa do single: Eva Uviedo

Olhe dentro dos meus olhos
Olhe bem pra minha cara
Você vê que eu vivi muito
Você pensa que eu nem vi nada

Olhe bem pra essa curva
Do meu riso raso e roto
Veja essa boca muda
Disfarçando o desgosto

A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio

A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio

Contemple o desenho fundo
Dessas minhas jovens rugas
Conquistadas a duras penas
Entre aventuras e fugas

Observe a face turva
O olhar tentado e atento

Se essas são marcas externas
Imagine as de dentro

A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio









segunda-feira, 28 de novembro de 2016

(Comentário) Gilmore Girls: A Year in the Life



(Esse texto não é uma resenha, nem uma critica. É apenas um comentário pessoal de um fã  sobre uma obra que marcou e esta alem da pele)


(CONTÉM SPOILERS)






Depois de mais de 9 anos de espera, finalmente Gilmore Girls ressurgiu.

Após sete temporadas clássicas que a consolidou como uma das series mais queridas e bem escritas - por seus diálogos rápidos e repletos de referencias, e seu cunho feminista numa época onde a  militância ideologia ainda não era tão clara na TV - a serie ganhou um Revival de 4 episódios de 90 minutos de duração aproximadamente acada, para concluir a historia à maneira que seus criadores, o casal Palladino queriam, mas que foram impedidos de finalizarem à 9 anos atrás por terem sido retirados da direção/roteiro da serie na sétima temporada.

Intitulado Gilmore Girls: A Year in the Life  (Gilmore Girls: Um Ano Para Recordar), o revival estreou completo na Netflix no dia 25 de novembro as 06h da manhã (horário de Brasilia) e euzinho como bom fã que sou da serie, protelei o máximo que pude, mas finalmente terminei os 4 episódios e só sei chorar, tremer e ficar bem bravo. Mas explicarei por que.

O Revival foi tomado por ciclos. Desde a estrutura formada pelas quatro estações, ate pela característica dessa vez mais evidente de nascimento, crescimento, amadurecimento e morte, ate mesmo as gerações de Gilmores, ate pelas ações na narrativa que iniciavam ciclos que deviam se completar de alguma forma. Definitivamente foi um revival para términos. Para conclusões.
Em cada detalhe ASP fez questão de incluir passagens seja em falas ou em olhares de personagens e suas aparições, conclusões de tramas ate que nem necessitavam de fato de conclusão, mas que eles acertadamente concluíram mostrando quais os caminhos que aqueles personagens icônicos levaram ou levariam nesses anos todos.
Assim é natural vermos Sookie largando seu lar e indo atras de novos cheiros e texturas em contato com a terra e a natureza. Sookie sempre foi uma Chef de cozinha brilhante quase sobrenatural no seu dom de combinar gostos, cheiros, sabores em pratos infalíveis. Mas, desde a primeira temporada ela tem uma preocupação em se reinventar. Em criar e não apenas reproduzir receitas. O dom dela é justamente a originalidade de ter pratos com sua marca. Assim como ha cantoras que reconhecemos de longe pelo tom de voz, pela letra da musica, Sookie de maneira inexplicável reconhecíamos pelos seus pratos. É reconhecer a genialidade daquela mulher na primeira garfada (algo que sabemos existir com o a relação da Lorelai com o café do Luke por exemplo rs). Cada aparição por mais breve que tenha sido foi satisfatória como devia ser. A Cidade de Star Hollow congelou no tempo em sua estrutura mas acompanha a passos talvez lentos mas acompanha os avanços e novidades do mundo. As referencias a Game Of Thrones, a The Walking Dead, a Katy Perry, a Narcos estão ali. Mas o que sempre encantou naquela cidadezinha é seu poder de nos transportar para um local paralelo do mundo exterior onde se forma como um refugio do caos desse mundo contemporâneo. Quem nunca quis morar ou visitar Star Hollow?
A morte do patriarca Gilmore obviamente ao contrario do que provavelmente era planejado no roteiro original de anos atras, permeia todo o revival. Sim ele esta morto mas não deixou de estar presente. Richard Gilmore tem seu rosto, nome, altura e presença em cada cena. Não só na influencia de sua perda na vida dessas três mulheres, mas também no próprio tema da serie: ciclos.

Um bom ciclo - alo, alo Rei Leão rs - é cíclico, ele é redondo. Começa onde termina e termina onde começa. Com pequenas mudanças no trajeto e forma, afinal o passado jamais volta, ainda que o eco seja parecido vindo de lá de trás, ele acaba ali no futuro pelas influencias do presente. Fecha o circulo mas de maneira própria.
E foi assim o final dessa serie. Eu como fã fiquei revoltado com a esperteza da ASP de manter Gilmore Girls sendo uma fabula. Sim, é uma serie que trata de assuntos bem reais e essa temporada em si de assuntos extremamente contemporâneos, principalmente no que diz respeito as Lorelais; mas a serie jamais se deixa enganar na sua formação de ser uma grande fabula. Todos caricatos, todos em situações absurdas de ocorrerem em qualquer lugar que não uma Hogwarts ou um mundo de Oz. Star Hollow e tudo que passa por ela são locais saídos de livros fantásticos de programas de tv e telas de cinema. E isso que encanta. Ele tem sua dose critica da nossa realidade aqui terrestre mas mostrada com a segurança naquela magia fantástica de um mundo alternativo. Por tanto seu final merecia e precisava ser fabulesco. Precisava ser o que muitos chamarão de clichê, mas que se enquadra como único final digno de tal narrativa que explica que cada grito que se dá atravessa gerações ate ser entendido.

Vimos Lorelai fazer as pazes com sua necessidade constante de renovação, de independência, de controle absoluto de sua própria vida, em suma, vimos sua redenção finalmente em se entregar a uma vida a dois. Vimos suas pazes com sua mãe, e com seu pai. com sua essência, a sua maneira. Sem pedidos de desculpa, sem reconhecimento de erros e injustiças. Apenas mãe e filha entendendo como são, quem são.
Vimos Rory representar o que sempre representou: a geração do momento em tela. Cada fase de Rory representou a geração do ano em que se exibia a serie. E hj em dia, a geração - minha geração - dos 25/30 anos passam pelos mesmos desafios e duvidas que ela. Se Lorelai enfrenta planos concretos que aparentam estar se quebrando e sem sentido. Rory, enfrenta a dificuldade de construir esses planos por causa do mundo que não espera mais que a gente os escreva e os entenda. A geração de Lorelai possuía o fator do tempo. De poder arriscar-se e voltar da onde saiu caso o plano falhasse. Emily é da geração onde ela não possuía a possibilidade de riscos ou planos. Eles ja haviam sido formados e decididos por ela. Bastava a ela segui-los. Rory no entanto é da geração onde tudo é possível,. os planos ou nenhum plano. Onde são milhões de possibilidades te empurrando e de chamando ao mesmo tempo, tantos que minha geração se vê paralisada, sem saber qual caminho seguir, justamente pq somos formados por muitas características. Antes ou se nascia para ser medico ou advogado. Hj somos construídos podendo ser médicos e advogados e cozinheiros, e jornalistas e donos de clinicas de fertilização e ainda bateristas de banda de rock. Podemos ser qualquer coisa, mais de uma coisa apenas e isso assusta. Pq jamais sabemos para onde ir. Rory representa esse caos, esse pesadelo.Essa busca por si mesmo. Crise dos 25 tantos anos e alem.
E Emily não morreu apos sua geração. Por tanto coube a ela permanecer tendo que se adaptar a todas essas gerações apos ela. Colocando em check sua construção de sempre. Ela foi criada para crescer e casar e viver pelo e para o marido. Mas, quando esse marido morre, abre-se um leque enorme de possibilidades que ela jamais pensou precisar enfrentar. Rory enfrenta o mesmo, mas ela tem a vantagem da juventude. Emily não. E isso desespera. Isso machuca. Isso torna caos o que era calmaria. Essa matriarca Gilmore enfrenta isso da melhor maneira, tornando-se aquilo que sempre foi: uma força incontrolável da natureza. No final das contas essas três mulheres são idênticas, só mudam de idades.

Mas, o que mais esta deixando todos entre um misto de raiva e emoção é o final. As 4 palavras finais, que comentei brincando num post de internet e realmente ocorreram exatamente como imaginei (só errei o local, achei que seria no Lukes mas foi no Gazebo).
Rory enfrentando o mesmo que sua mãe no passado, Se antes Lorelai engravidou sem casamento aos 16 anos. Rory agora engravida provavelmente de uma menina pro ciclo continuar, aos 32/33. Com o dobro de idade, Rory tem a vantagem de refazer a saga da mãe, de escrever e refletir num livro sobre sua própria criação e tomar a decisão que ela sempre sofreu para fazer: em que mundo ela se encaixa. No mundo dos avos ou no mundo da mãe. Rory sempre foi descrita como uma Lorelai mais nova. Mas a verdade é que ela consegue unir os dois mundos - o que Lorelai construiu e o que Lorelai fugiu - num único lugar particular próprio. Se antes Lorelai engravidou de Christopher, agora Rory Engravida de Logan. E ambas as relações são equivalentes. E ela entende isso no momento em que engravida. Logan no final das contas é o que sempre achei que ele fosse para ela. Ele é o alivio de todos seus pesos, de tudo aquilo que Rory é mas não sabe lidar. Logan é o cara que não apenas leva a garota ao parque de diversões, ele constrói um parque para a garota. Logan é o cara para quem ela sempre se entender
, sempre se divertira. Enquanto Dean como já sabíamos, mas a serie quis reafirmar isso, é o cara que lhe daria a segurança. Dean é seu Richard. Dean é a representação de uma vida regrada e familiar clássica que sua avo sempre quis para si - sem o adicional do dinheiro, claro -. Dean representa segurança. Representa certezas. Mas, jamais foi feito para ser o certo. Para o ser o eterno. Afinal com Dean ela teria sempre os almoços de domingo e os sábados no parque. Mas, Rory não é só Emily, Rory é Rory. Ela é uma mistura.
Da mesma forma que Logan é seu Christopher. Ele é o afastador de tédio. É a aventura. É a juventude. É o desafio. É o risco. É o pulo constante no precipício segurando um guarda chuva. Logan é surpresa, é a falta de previsibilidade que tanto a fascina. Mas, novamente ela não é somente isso. Afinal, ela precisa de solo. Ela precisa de lar também. Ela precisa de planos. Ela precisa de suas listas de pros e contras de sempre. Seu mundo é uma mistura disos tudo. De aventura e lar.
E aqui entra Jess. Que amando ou não, criticando seus abusos ou não, é um personagem que desde o inicio é a cara de Luke. Ambos são iguais. Luke era Jess na adolescente. Luke sempre foi igual a Jess, sem o adicional da leitura claro, mas tudo que compõe Lukes adulto, antes passou pelo Luke adolescente que é idêntico a Jess. Briguento, rabugento, bad boy, revoltado, inadequado para demonstrar sentimentos. No entanto Jess possui aquela camada diferente que é o que o liga a Rory: ele não teve a construção familiar do Luke. A construção familiar do Jess é parecida com a de Lorelai no que diz respeito ao que ela sentiu sempre com relação aos pais, não deles com ela, claro. Em resumo, Jess é o balanço final entre aventura e riscos que Logan tem a oferecer, e o lar e segurança de sempre estar la para ajudar que Dean sempre foi.
Jess representa o Luke de Rory. O amigo que jamais se tornará apenas um amigo. Um amigo que vai construindo um laço de respeito e intimidade tão grande onde um conhece o outro de tal forma, onde ouve, sobretudo ouve o outro de tal forma que caminham.
Com qualquer um desses, ela sempre seria feliz. De varias formas diferentes. Mas, a questão nunca foi eles. Jamais será.
Nenhum desses caras são necessários de verdade. Eles representam apenas algo que já existe nela. Que existe na Rory, eles são apenas a manifestação externa de algo que ela possui sozinha. Não estão ali para completar nada, estão ali para representar apenas o que ela mesma seguira ou não, depende de sua escolha. Ate pq, se Dean, Jess e Logan, são representações modificadas e atuais de Richard, Christopher e Luke, é obvio, que a relação dela com estes não seria/será idêntica, Assim, não vejo um Logan sendo Chris ao descobrir a gravidez. Mas, sim vejo uma Rory sendo Lor ao contar/deixar ele saber.
Assim é natural que tenha sido Jess a sugerir que ela escrevesse a serie que estamos assistindo e nos apaixonamos. é Natural que seja Jess a apontar que Rory nasceu para escrever Gilmore Girls.
e é mais natural ainda, que o ciclo se feche ou se abra, com uma nova possível Gilmore Girl surgindo, sendo criada por sua mãe apenas, com ajudas pontuais de um 'melhor amigo' escritor que sempre estara lá para ela finalmente. Ate um dia quem sabe....

Jess levou anos para entender que seu lar residia justamente naquela que lhe fez referencia a Oliver Twist. E Rory sempre soube que ela nasceu para contar e fazer historia sendo ela. Levando cada pedaço que a construiu, para formar algo único. Entre erros e acertos, tal mãe, ela filha.tal vo, ela neta.

Um final perfeito, mas que fica com aquele sabor marqueteiro de que poderia continuar. Se continuara ou não (parte de mim não quer que continue, tudo precisa terminar afinal), mas outra parte entende que não poderia ter havido um final melhor. Afinal, a letra de abertura da serie diz tudo o que precisávamos saber sobre esse encerramento, Seja no campo ou em NY, seja como for, as Gilmores Girls seguirão para onde decidirem ir, pois sempre estarão ali uma ao lado da outra da maneira que for. Foi um prazer retornar <3

''Where you lead
I will follow
Anywhere''


terça-feira, 19 de julho de 2016

Resenha: Closer - Perto Demais

O que somos de verdade? O que realmente escondemos por detrás das aparências?
Parece clichê. E o é. Essa indagação é constante entre os humanos em sociedade, pois nunca se consegue um consenso sobre. As relações humanas são algo tão ou mais complexas do que o próprio ser humano e este em existência talvez.





Com um titulo ironicamente certeiro. Closer - que recebeu no Brasil o subtitulo "Perto Demais" - é um filme sobre distanciamentos. Sobre estranhos, como o roteiro escrito por Patrick Marber - baseado em sua peça de teatro de mesmo nome - faz questão de repetir e evidenciar varias vezes, em momentos chaves do longa; e dirigido por Mike Nichols.

Temos o escritor, a fotografa, a stripper e o dermatologista. Se pensarmos nas alegorias e eufemismos que o escritor ama utilizar em seus trabalhos, podemos estabelecer aqui uma dinâmica do que o filme pretende refletir. 

A fotografia nada mais é do que uma representação do real. Assim como as palavras, que são captações da realidade - sejam elas físicas e terrenas ou imaginarias e utópicas -. A pele que muitas vezes nos rotula e nos apresenta e encobre, nada mais é do que uma representação física, do que somos. Uma embalagem, que esconde o que realmente somos por dentro - entre coisas empíricas, ate mesmo coisas clinicas como ossos, carne e sangue, células. E a nudez, assim como a derme, nada mais é do que o ato de aparentar estar despido diante de olhos de Outros. Quando na realidade, a nudez real do verdadeiro Eu, jamais ocorre nem mesmo diante do espelho muitas vezes, à própria pessoa.

Dan, Alice, Anna e Larry. O escritor frustrado que escreve sobre pessoas mortas. A stripper que parece estar sempre fugindo e a procura de algo. A fotografa que bem sucedida que parece nunca estar satisfeita com seus próprios cliques. O dermatologista que continuamente tenta desvendar algo alem do que parece ser capaz de conseguir.

São quatro pessoas que se interligam e representam as nunces das relações humanas, românticas e ate mesmo fraternais e em sociedade dos humanos ao longo dos anos. Tudo isso massificado numa representação inclusive física de descrever essas nuances. vejam, Alice a mais misteriosa dos quatro e no entanto representada por uma mulher de aparência frágil, pequena, constantemente em mudança - seus cabelos esvoaçam em cada leitura da maneira que surge em tela, e isso diz muito sobre seu caráter. Ou mesmo Anna, uma mulher alta de aparência segura e forte, mas que desmorona ao primeiro toque, ao primeiro beijo, as primeiras constatações de realidade e duvidas. Dan e Larry, ambos homens inegavelmente sedutores, olhos claros, brancos e padrões, que por trás da sedução e segurança das palavras, escondem pequenez e brutalidades que se desenvolvem e se escancaram ao menor sinal de perda de ego.

São personagens a procura de algo. A procura de sentido. Que se envolvem pelo prazer e remontam isso, associando com amor romântico. Aquele de fases. Do humorado ao possessivo. nenhum deles parece de fato estar seguro em nenhum momento. tentam a todo custo serem honestos com todos e com eles mesmos, jogando um jogo entre verdades em detrimento de mentiras, tentando assim serem fieis ao que são, mas recaindo justamente por isso, em infidelidade, tristezas, frustrações, caos, dor, lagrimas e desespero. Personagens que tentam a todo custo achar a formula de se relacionar com o Outro e acabam sendo os próprios clichês aterradores de suas próprias vidas. Tudo embalado por uma trilha sonora branda, gostosa, quase piegas e que serve para relaxar e entristecer na mesma medida.

Afinal, quem nunca se apaixonou ou achou se apaixonar.? quem nunca se perguntou qual a melhor coisa: a verdade ou a mentira útil? A verdade que destrói ou a mentira útil?

Prazer e amor, devoção e respeito, posse e companhia. Tudo se mescla numa epopeia - ou quase - romântica - ou em ausência de uma -, caracterizados por esses 4 personagens.
''Quem Tem Medo de Virginia Woolf?'' - do mesmo diretor - a cerca de 50 anos, já mostrava esse embate, onde as pessoas que mais estamos ligados, mais perto, em maior 'Closer, são justamente aquelas que acabamos por menos conhecer, menos prever. São as que mais sabemos machucar justamente por serem quem nós mais queremos amar.

A diferença é que se em ''Woolf'' tínhamos uma clareza de intenções desde o inicio, aqui em ''Closer'', tudo vai se enrolando mais e mais a medida que o longa avança. Pois os personagens fatidicamente creem que estão seguindo os caminhos mais honestos para eles mesmos e para os outros envolvidos.

Mas, não por acaso, justamente a pequena, a de cabelos sempre em mudança, a menos sucedida dentre todos, a mais misteriosa, é que abre o primeiro frame do longa e o que o fecha, da mesma maneira - caminhando entre estranhos -. Isso porque "Alice" (e aqui as apas podem ser utilizadas), é talvez a mais sincera dentre os 4. Não com eles, mas para si mesma. Suas falas são chaves, seu poder é pontual. Sua fragilidade, nem tanto. Engana -se quem a lê como antagonista ou mesmo detentora das mais ardilosas mentiras. Na realidade, naquele aglomerado de prazeres e relações, ela é a cola que dá o ponto de quem são aquelas pessoas. 
(E o filme, como boa representação da realidade, pinta Anna como a desencadeadora de tudo, ora que genial).

Não por acaso também o livro de Dan se chama 'o aquário', e o aquário de fato surge na casa e ambientes diversos nos núcleos de cada um deles. Por que na real, são todos peixes, se afogando, boiando, afundando, e nadando, numa grande vitrine. Num grande aquário diante de nós telespectadores. Estão ali, na estante, na parede, sob uma fina camada de vidro que a menor rachadura, a menor poluição, finda.
Um filme sobre estranhos que estão perto demais. 

Mas, afinal, quem de nós não somos não é mesmo?

Hello, strangers?

Trailer: