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sábado, 27 de julho de 2013

Crítica: Amor Pleno

"Quando escalamos uma montanha, vamos ao estágio da maravilha (wonder)".



Sob essa premissa, o diretor e roteirista Terrence Malick surge com sua nova obra intitulada ‘Amor Pleno’ (no original “To The Wonder”); uma escalada bela, poética, transcendente porem vazia.

Quando se fala de Terrence se torna quase redundante pela maioria de critica e publico, dizer que estamos frente a um dos diretores mais conceituais e com identidade visual marcante contemporânea. Os traços de Malick denunciam suas obras quase que instantaneamente. Seja pelos longos planos contemplativos, seja pelas escolhas de atores sempre – ou quase sempre- em papeis de não estrelas, onde o meio toma a frente do todo; ou seja, onde o cenário se torna protagonista a frente dos atores.

Em “Arvore da Vida” seu filme anterior, e com certeza mais bem sucedido, ainda que divida opiniões de publico – no geral foi aclamado por critica e premiações, mas devastado pelo publico-, é sem duvidas o seu filme mais conhecido; Malick conseguiu reunir todos os elementos que aludem a si, em seu maior e melhor grau, seja na parte técnica quanto na narrativa em si. Em ‘Amor Pleno’ a historia é outra.

O que vemos em Amor Pleno, é a desconstrução do amor, tanto sentimento quanto força. Malick alude esse sentimento de forma visual, em cada detalhe, em atos, em sons, em ruídos, em gestos; quase como se ele tentasse nos mostrar o invisível através de suas câmeras e longos planos de contemplação e parcimônia. Mas sem a profundidade dada em Arvore da Vida. O que não é ruim, mas também não é bom.

Com uma fotografia estonteante e planos arrebatadores que beiram a perfeição fílmica, onde cada cena por si só é um espetáculo a parte, orquestradas por uma trilha sonora instrumental que nos leva pela passagem de tempo descompassada das sequências unicamente como um amigo nos guiando e  não como algo que manipula. Qualquer emoção que se possa ter com o que é mostrado é única e exclusivamente fruto da percepção de seu espectador, não é planejado ou ‘indiciado a’. Alias, toda a parte técnica do longa é primoroso, seja pelos enquadramentos ora assimétricos, ora com simetria e planejamento esmerados, sejam pelas cores em planos conglomerados, num designer sonoro e visual impecável, seja pelas metáforas e simbolismos contidos na montagem – uma cela de cavalo, uma cerca de uma casa nos remetendo a sensação de aprisionamento, um bando de pássaros voando nos remetendo a liberdade ou mesmo o maravilhoso e inteligente simbolismo do casal andando sobre as areias de solo instável, nos demonstrando adiante a inconstante relação deles tal qual o solo pisado em outrora; – quanto a narrativa, num texto poético e lúdico com referencias literárias, inclusive bíblicas. Planos em sua maioria espelhados evidenciando a dualidade nos seres humanos em sua busca entre o certo, o errado, o querer e o sentir.

Mas o problema nasce na linguagem. Malick é um experimentador, um artista conceitual, que testa conceitos e técnicas, sem deixar transparecer suas referencias e sem se preocupar em explicar cada uma delas. O cinema de Malick foi criado e nos é apresentado com a única razão de nos fazer sentir ou compreender algo seja lá o que for. Fica claro a percepção e intenção de repetir e reafirmar algo que ele trouxe desde Arvore da Vida, a busca humana por compreensão, por  compreender o ato de sentir, por compreender o ato de querer compreender.

Nesse ponto Amor Pleno é quase uma busca existencialista do amor. De todas as suas formas. Sua confusão, a maneira que ele faz sofrer, a maneira que ele sufoca e transcende a maneira que ele dúbio e simples, a maneira que ele é sombrio e poderoso. Ele questiona o amor inclusive na religião, questionando na fé, na dependência – em certo momento o roteiro declama “somos impelidos a dever sentir amor. Pois deus disse que devemos amar, gostando, querendo ou não querendo nos devemos (no sentido de dever, ser obrigado) a amar. Nascemos para isso”; esse sentimento tão complexo a nós mesmos.

Para isso ele se utiliza de 3 tramas paralelas. A primeira de Neil -  Ben Affleck -  e Marina - Olga Kurylenko -, um casal de amantes, ela francesa com uma filha de dez anos, ele americano, que trabalha numa construtora e que tentam a todo custo entender a si mesmos quanto a esse amor que sentem um pelo o outro. Sem protagonistas definidos, talvez seja de Olga a atenção maior que o filme confere, começando por nos apresentar a sua visão de mundo e terminando com ela ao final, sendo dela a maior parte de exibição em tela, sendo dela os momentos mais sensuais e visualmente carismáticos do filme, ela é a mocinha. Ainda que seja a meu ver de Affleck o alicerce de tudo, uma vez que é através do personagem dele que todos os outros mantêm uma coerência espacial em si.
Depois temos Affleck revivendo um antigo amor do passado, uma possibilidade que não foi e pode retornar com Jane - Rachel McAdams belíssima tal qual Olga, com uma sensibilidade que aflora à tela; principalmente de Olga-; que perdeu uma filha no passado e tenta resgatar as esperanças na confiança ao Amor.
E por fim temos Quintana - Javier Bardem-, como um padre católico que enfrenta uma crise silenciosa com sua fé. Onde ele busca continuamente a reafirmação de que ELE- Deus- esta ali o guiando através do amor transcendente (pleno?); e que infelizmente- ainda que Javier nos entregue uma sempre competente atuação- não se elucida com o restante da trama, talvez apenas em seu 3° ato em tela.

Esses 4 personagens nessa tríade de tramas, nos conduzem por um emaranhado filosófico e reflexivo na busca e degradação mental, emocional e sentimental do amor. É algo quase que Freudiano tal qual Arvore da Vida foi. São recortes e telas inteiras de pensamentos, questionamentos, erros, acertos, e fragmentos de atos e situações- muitas representadas por personagens sem nome, ou mesmo voz/dialogo – em crise por essa falta de fé no amor- seja ele de qual forma for. Assim obviamente o filme recai em discursos quase que religiosos a todo o momento, o que é de se esperar levando-se em conta a vertente tão religiosa demonstrada por Malick em seu mais recentes trabalhos. Algo que me desagrada, não pela religião em si, mas pela obviedade encontrada na narrativa aonde se vinha tendo um posicionamento tão mais interessante e complexo-; mas que é funcional a trama. Mas essa linguagem onde sempre é escolhido 'o mais' ao invés 'do menos', se torna o ponto mais intragável com relação a Malick- o elemento 'me ame ou me odeie'-.
Para Malick tudo é importante, ele se desliga completamente da máxima do cinema onde diz que qualquer coisa que não esteja em função da narrativa deve ser cortado na edição. Para Malick tudo é importante ainda que essa importância não se evidencie ou realmente não o seja, para ele é, e isso é desgastante por vezes.

Volto a Affleck para elucidar seu personagem, que ainda que pareça extremamente entendiante e insignificante em tela- devido a sua baixa participação ativa entre as cenas-, é a persona mais instigante e complexamente trabalhada enquanto elemento vivo de sentimentos ali. Neil surge vazio, frio, distante diante do espectador, contudo desperta o lado mais arrebatador e apaixonante de Marina e Jane. Se as duas são simples e puramente a paixão, a entrega e o medo, o desespero - caracterizados pela devastação do meio, da natureza, da vida, a feminilidade soberba e radiante, vital porem frágil -, é Neil que carrega todo o esmorecimento do sentimento amor em si. Quase como um vassalo do que busca, continuamente analisando, sentindo, refletindo, de forma catatônica as vezes, de maneira quase onírica em seu silencio. A complexidade do que ele sente e tenta sentir e entender por aquelas duas mulheres - inclusive o mal que faz a elas- e sobre si mesmo, é representado pela ausência de expressões. A leitura do que ele sente e do que ele é, é formada pelo espectador que coloca nele as reações e impulsos que bem lhe servirem. É como se seu personagem fosse apenas um corpo oco em função daquilo que o preenche. Quando ha sexo ele se entrega a sensualidade, quando ha ternura ele se entrega a fragilidade, quando há alegria ele se entrega a felicidade, quando ha dor ele se entrega a confusão, quando há desespero ele se entrega a raiva. Ele é a catarse que o filme busca entre o equilíbrio do controverso e do inverso do Amor - sempre iniciado com letra maiúscula-. Tal elaboração é fruto do roteiro que criou tal peculiaridade a seu personagem e não exatamente às limitações já claras e sabidas do ator.

Os personagens que ora permanecem em silencio – principalmente Affleck que quase não tem diálogos -, ora apenas sussurram inaudivelmente, ora falam em espanhol, italiano, inglês e francês através de personagens secundários, vão remoendo uma teia de retalhos cada vez mais confusos e inorgânicos sobre o tema, enquanto explodem na tela elementos belíssimos quase palpáveis da natureza, sua força e fragilidade em angulações peculiares que nos transpõem ao que se é visto. É melancólico, é contemplativo.

Os personagens são meras ilustrações dos sentimentos e do sentido invisível buscado pela premissa, ao Amor. E obviamente quando se escolhe tal linguagem sem linearidade, sem estrutura fixa, causa estranhamento e por vezes uma pedante experiência, mórbida, escassa de apego ou mesmo chata para se usar a palavra correta. Os minutos se arrastam e parece que estamos sendo levados a lugar algum. Ledo engano, claro; mas definitivamente não é um cinema fácil de assistir, de se absorver. Soa pretensioso, soa forçado, soa de fato desnecessário- o que talvez seja, talvez não.

O filme é grande, porem esta longe de ser maravilhoso ou tão relevante quanto seu anterior. Isso por que Malick cometeu o erro de tentar se manter na linha tênue entre o mesmo de antes e o inovador- causado pela expectativa criada justamente por seu anterior-. O que se tem em tela é um concha, um emaranhado de ideias geniais e interessantes, únicas, mas sem definição alguma, um labirinto camuflado por uma rígida e espetacular rede de imagens e técnicas infalíveis. O seu 'mais se tornou 'menos' mas jamais 'nada'.

É belo, mas não convence. É instigante, mas não inspira. É poético, é sensível? É; mas falta. É impressionante, mas esquecível.

Mas uma coisa não se pode negar: Essa montanha deve ser escalada, ainda que se caia no meio do caminho. A subida vale a pena, nem que seja para chegar ao topo, tirar uma foto, postar aos amigos e descer novamente.




PS: Detalhe para a ultima cena do filme, onde ma espécie de ilha com um forte em tons de cinza, sobre uma vastidão de mar em clima ameno/frio sintetizam toda a atmosfera do longa. 


Trailer:



Ficha Técnica

País de Origem: EUA
Gênero: Drama
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Produção: Sarah Green
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Trilha Sonora: Hanan Townshend
Elenco: Ben Affleck; Olga Kurylenko; Rachel McAdams, Javier Bardem e Tatiana Chiline
Tempo de Duração: 112 minutos
Ano de Lançamento: 2012















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