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segunda-feira, 29 de abril de 2013

Critica/Analise - A Professora de Piano


Um retrato visceral e extremamente degradante do interior humano, não de seus sentimentos, mas de seus desejos. A Professora de Piano, filme do Austríaco Michael Haneke, é tudo isso e mais. Um filme que cai fundo no poço sombrio do Desejo que Lars Von Trier com seu exímio Anticristo, chamou de "mal humano delicioso, misterioso e necessário" - claro que na interpretação das entrelinhas-.

Comparo aqui as duas Obras de Lars e de Haneke, porque um, - cineasta -esta para o outro - cineasta -, de maneira absoluta. Ao menos no que diz respeito a mostrar toda a aversão humana em varias camadas, sem poupar o espectador em nenhum momento. Porem se com Lars, o ‘botão’ apertado dentro de cada um é o dos sentidos, sentimentos e emoções e ética em convenções sociais. Aqui com Haneke, em especial A Professora de Piano, o botão socado, é o da moral humana, física, e unilateral. É o psicológico que é trabalhado, de maneira arrebatadora, quase cruel.

O filme que é baseado em um livro do escritor austríaco Elfriede Jelinek e venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 2001, além dos prêmios de Melhor Atriz e Melhor Ator, respectivamente para Isabelle Hupert e Benoit Magimel (a primeira incontestavelmente merecido), conta a historia de Érika Kohut (Isabelle Hupert), uma professora de piano numa clássica escola de musica o Conservatório de Viena. Érika vive com a mãe num pequeno apartamento e detém uma relação de passividade e controle com ela. É uma professora hostil com seus alunos e impassível de qualquer demonstração de emoção. Quando conhece o jovem  Walter (Benoit Magimel), Érika cai numa perturbação acerca de seus costumes, desconfianças e mistérios, num ode de implosão de seus desejos e loucuras.

O filme conta com uma paleta de cores frias, com cenários assimetricamente bem posicionados e uma concepção de cena repleta de artefatos e objeto, que dão aos ambientes uma sensação claustrofóbica e confusa. Tudo é cheio demais, com cores iguais e indiferentes. Com exceção de raros momentos da própria Érica com seu vermelho em destaque, seja no batom ou no chapéu aristocrático.

Com a característica do silêncio - marca dos filmes de Haneke-  para se compor as cenas, o filme quase não tem trilha sonora. Ao não ser pelas intervenções inevitáveis dos dedilhares de piano ao longo da projeção. É importante ressaltar também a atuação da atriz veterana Annie Girardot que vive a mãe de Érika. Sua fragilidade em contraponto com seu tom sempre controlador, rígido e extremamente assustador, compõe bem o clima que o filme exige.

Clima esse de peso e incômodo a todo instante.

O filme traz uma sucessão de convenções que vão desde a perversão ate a loucura, ambos em graus extremos e doentios. É um filme que causa nojo, aversão, choca, cria tensão e impressiona pela crueza e frieza que trata de assuntos que verdadeiramente mutilam a consciência e o senso comum de moral e dignidade aceita em sociedade.

São cenas como um autoflagelo genital com uma gilete, espancamento, estupro, agressão a uma idosa, tapas entre mãe e filha, afeto sexual entre mãe e filha, masturbação, cenas de sexo explicito com direito a esperma de desconhecidos em pedaços de papel higiênico serem cheirados sem discriminação. Tudo perverso, tudo de forma insana. Sem planos que escondam nada ou que se utilizem da edição para abrandar os momentos. Pelo contrario. 

Somente com sons ambientes, onde podemos ouvir a respiração, o engolir da saliva de cada personagem, vemos tudo isso passivamente em longos planos, em longas tomadas que parecem não ter fim, mostrando cada segundo de cada ato. Para chocar, para criar tensão e por isso mesmo fascínio. E com ele a culpa.

Haneke cria o choque e o incômodo não tanto pelas cenas, afinal tais cenas não chegam a ser tão violentas ou tão degradantes, não mais do que nossa realidade, não mais que Jogos Mortais ou mesmo Dogville mostraram. O choque esta justamente na vontade e interesse que ele cria no espectador em querer ver mais. Em ser levado a atuar como um voyeur diante daqueles atos.

Isso mais do que qualquer outra coisa vista, é o que faz com que A Professora de Piano se torne uma experiência cruel e fascinante, e talvez única a cada um que o assiste. Ele exprime tudo que ocultamos. E lidar com o desejo, com o sexo, as vontades, a dor humana é algo delicado. Sempre perigoso sempre extremo. E Haneke consegue fazer isso solenemente bem.

São personagens castos, tímidos, alunos que são humilhados, em prol de viver um sonho. A arte tratada como mascara de convenções que escondem o limbo psicológico e sensorial de uma mulher de meia idade eximia, assimétrica em cada detalhe, nas roupas, nos tons de pele, no andar rígido, no olhar sem emoção, nos cabelos presos, na voz forte de palavras duras. Érika não sorri, e quando o faz é por pura aversão e descontrole. Não a embeleza. Érika não sente nem dor, nem remorso. Uma personagem ambígua que, contudo, na arte brilha e causa ternura.

Simbioticamente, o filme traça a construção de tal personagem de maneira cuidadosa e lenta. Porem em nenhum momento clara. Tal qual seu interior, Érika é uma incógnita talvez ate para ela mesma. Se a principio podíamos imaginar se tratar de uma mulher presa dentro de seus medos, causados pelo controle e escravidão emocional que criou com a mãe a quem é submissa, mas carrega sentimentos de amor e ódio  no momento seguinte as ações de Érika demonstram uma personagem dúbia, incerta e extremamente inconstante, a beira de um colapso. Colapso que pode vir através de um grito, de violência  de descontrole, ou mesmo de sangue e crime. 

Aos poucos o filme vai compondo um panorama de inserção a mente de Érika  que parece ver na dor e na subversão um atrativo inexplicável. Érika nada mais é do que uma criança descobrindo seu próprio cerco sensorial, intrínseco na carne, na pele, nos fluidos corporais. É através do sexo- não feito, apenas visto e sugerido- que Érika implode, liberta o lado sombrio despertado por Walter, que tenta conciliar seus instintos básicos de satisfação com o sentimento de apego, amor talvez; criado pela primeira vez com a presença desse homem. Os sentimentos se misturam a ponto dela não saber mais diferenciar em seus sentidos o que é desejo, afeto, amor, paixão, tesão. Tudo se mescla. A ponto de seu corpo sucumbir tal ponto, levando-a a agressão dela mesma. Seja por suas mãos ou pelas de outros.

E para isso, o filme não se priva em permanecer preso - tal qual Érika - nas convenções da linguagem cinematográfica  que exigem um delimitamento claro das motivações e ações, e assim, das resoluções de seus personagens. O filme não é aberto, mas seus personagens o são. E isso configura uma amplitude maior a obra, a discussão que ela traz em pauta, assumindo um estudo não só mais de Érika, ou das repressões e mistérios do Desejo humano, mas sim de toda uma sociedade baseada em regras, e estruturas de senso comum que nem sempre se adequam a todos os becos existentes em cada um. Qual de nós não é um pouco perverso? Qual de nós não é um pouco imoral? Qual de nós não esconde horrores que  a face serena ou endurecida não deixa transparecer?

Não que o filme ou mesmo Érika seja detentora de empatia, ou mesmo que o espectador consiga ou deva se identificar. Não. Obviamente que não. Mas a busca da personagem é clara: descobrir e conviver com o que é, com o que sente. E isso é comum a todos nós. 

Nesse ponto o filme se assemelha com o sentido de busca pela Perfeição versus o Bizarro promovido por Cisne Negro do Darren Aronofsky. Desde a relação sem figura paterna entre mãe e filha – Érika tem seu quarto, que não possui chaves, mas, contudo dorme todos os dias na mesma cama que a mãe – bem como o extremo entre o autocontrole através da privação do sexo e o descontrole por isso mesmo e liberdade do seu Eu, da verdadeira essencial através do desejo descontrolado e arrebatador.

A Professora de Piano não é um filme fácil, não é um filme fácil de digerir – como curiosidade, na cena de vomito, o vômito é real, e pelo ensejo, é impossível não destacar a atuação completamente entregue de Isabelle Huppert durante cada instante do filme, seu ar robotizado, quase psicótico, sem linhas de expressão, rígida que impressionam e arrebatam – que assusta justamente por ser tão gélido e ao mesmo tempo tão parte de cada um que o assiste. Uma parte que ninguém jamais admitira, mas que sentira. Incomodara. Causara medo, e também que fará parte dos pensamentos do espectador durante muito tempo, após o fim dos créditos finais.

Como bem diz um dialogo nos minutos iniciais da projeção: "A loucura só encontra seus benefícios na arte. Mas a arte só se beneficia da loucura, quando esta a suporta. A ponto de ser arte e fazer arte. A Arte não provém da loucura, mas dos instantes antes dela. E nisso esta obra se prova e justifica bem.

Brutal, tal qual, um grande concerto de piano.

"Os cães latem
Chocalham suas correntes
E as pessoas dormem em suas camas"


Trailer



FICHA TÉCNICA

Diretor: Michael Haneke
Elenco: Isabelle Huppert, Benoît Magimel, Annie Girardot, Anna Sigalevitch, Susanne Lothar, Cornelia Köndgen.
Produção: Yvon Crenn, Christine Gozlan, Veit Heiduschka, Michael Katz.
Roteiro: Michael Haneke
Fotografia: Christian Berger
Duração: 130 min.
Ano: 2001
País: Áustria / França
Gênero: Drama














domingo, 21 de abril de 2013

Critica: The Evil Dead (A Morte do Demônio) - 2013





The Evil Dead (no Brasil, ‘Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio’; em ‘Portugal, A Noite dos Mortos-Vivos’) é um filme norte-americano de 1981 escrito e dirigido por Sam Raimi. O filme teve duas sequências: Evil Dead II (1987) e Army of Darkness (1992), além de ser adaptado para um musical de teatro.

Cinco jovens vão passar um fim de semana em uma cabana isolada nos bosques de Tennessee. Os jovens tem estranhas experiências, obviamente causadas pela presença ali do Livro dos Mortos (o Necronomicon Ex Mortis, encadernado em pele humana e escrito em sangue), que logo encontram. Logo depois encontram um gravador. Dentro do mesmo a fita que foi gravada pelo dono da cabana (um arqueólogo), contém a tradução de algumas passagens do livro. Ao ser reproduzida (escutada) pelos estudantes, desperta os espíritos que estavam adormecidos e que habitam o bosque. Os espíritos começam a possuir os jovens um por um.

Com baixo orçamento, Evil Dead se tornou imediatamente um sucesso do gênero terror, pelo teor de violência e a inventividade das situações mesmo diante do pouco orçamento que o ate então estreante Sam Raimi e equipe, possuíam. Conforme os anos foram passando, este filme foi transformado em clássico absoluto do terror e do Trash, Cultuado por milhares de fãs de geração a geração.

Mais de trinta anos depois, The Evil Dead retorna, pelas mãos do estreante Fede Alvarez, sob a produção do próprio Sam Raimi, e o que se vê retornando é uma evolução de um gênero, uma reinvenção de uma trama exaurida cansativamente por anos, num filme superior a muitas coisas que se veem atualmente que consegue se unir a altura do original sem tirar seu legado e se firmando como um novo produto respeitável.

Chocante, perturbador, causa incomodo, nojento, violento, absurdo. Esses são os adjetivos que se pode extrair ao assistir esse remake de The Evil dead. A sinopse continua basicamente a mesma, a essência, porem com importantes e pertinentes mudanças de condução da narrativa.

(importante parabenizar o trabalho de divulgação do filme, que igualmente ao original vendeu e anunciou o filme como o filme mais assustador que veríamos na vida. Sensacional a condução de marketing)

São Cinco jovens que resolvem se encontrar numa antiga cabana isolada, a fim de ajudar Mia, uma dependente de drogas que esta passando pelo estagio de abstinência, se afastar da tentação.
Assim, seu irmão David e mais três amigos de ambos resolvem passar um final de semana ali.
Tudo parecia caminhar normalmente se não fosse um deles encontrar um antigo livro misterioso e macabro intitulado O Livro dos Mortos. Após ler um trecho do livro (“Kandar! Kandar!”) Estranhas forças maléficas começam a rondar a cabana.

A mudança do roteiro assinado pelo próprio Alvarez e Raimi além de Diablo Cody e Rodo Sayagues Mendez, se mostra totalmente eficaz aqui, ao introduzir mais complexidade e desenvolvimento aos personagens, coisa que no filme original ate pelo seu teor minimalista e posteriormente trash, não cabia. Mia é uma depende química, que carrega inúmeras complexidades com ela, inclusive numa relação conturbada com o irmão mais velho David. Este igualmente carregada magoas e transtornos pelas escolhas que fez, principalmente a de ‘abandonar’ a irmã e os amigos após a morte da mãe. Uma outra personagem que é enfermeira e carrega o estigma de sempre se sentir á sombra em sua profissão ao querer na verdade ter sido medica. São inúmeros elementos que doam peso a narrativa, a tornam mais verossímil e com um arco dramático que se sustenta ate o final sem se tornar redundante.

Outra mudança do original para essa nova versão é o tratamento dado ao Livro dos Mortos. Não mais feito de pele e sangue humano e sem a presença da fita gravada, o livro assume um papel importante aqui, muito mais do que no original. Uma vez que é nele que se encontram – feito uma bíblia do mal- passo a passo os atos que a narrativa do filme assumira. É por ele que nos guiamos diante de cada elemento que se apresenta ali.

 Mas sem perder a característica trash e absurda de ser, a produção do filme é inteligente ao ocultar certas informações e simplesmente ‘pular’ o tempo em algumas sequencias. Tudo ocorre meio que rápido demais. Afinal tudo se desdobra numa única noite. E mesmo que soe artificial e corrido, não se perde o foco ou  a linha condutora, pois justamente pela acertada ideia de preparar tão bem o inicio do filme- que se inicia com um fato ocorrido a anos atrás envolvendo a cabana e o livro dos mortos- o que se apresenta na tela fica subentendido tanto aos novos apreciadores da saga de terror criada por Raimi quanto para os antigos que reconhecem os elementos e se surpreendem de maneira satisfatória com as mudanças e evolução desta nova versão. O que importa é o visual e a tensão causada.
E nisso o filme dá um show e sabe bem o que fazer.

A fotografia do filme se destaca logo na primeira sequencia. As paletas de cores cuidadosamente delimitadas em tons escuros e borrados, mesmo quando as cenas são mais claras, são granuladas o que causa um contraste intenso assim que as primeiras gotas de sangue começam a jorrar. Iluminação e direção de arte igualmente bem feitas, elementos de cena – como o mesmo carro do original presente numa das cenas- são bem esboçados. Mas o ponto alto mesmo é a maquiagem e os efeitos visuais. São próteses e mais próteses extremamente realistas que causam verdadeiro choque e incomodo nas cenas de mais violencia, são membros arrancados, cortados, mordidos, massacrados, esmagados, tudo tão realista que causa aversão, mesmo sabendo que tudo é fictício.

Assim como os planos, tanto os  travellings quanto os planos abertos que conduzem bem o clima de claustrofobia nas cenas mais intensas e de aflição nas cenas mais assustadoras.
A trilha sonora é outro elemento que aqui fez toda a diferença, numa orquestração a altura do que é apresentado, fluindo no mesmo ritmo dos atos. Uma identidade visual forte.

E é no terceiro ato que o filme literalmente mostra que não é apenas um remake, mas sim um redescobrimento do gênero. Com total liberdade em nome da “licença poética’, o filme nos apresenta um ultimo ato repleto de sangue, ação, tensão e criatividade em inovar onde não se imaginava ser possível retirar nada mais- já que o gênero 'jovens, cabana e mortes,' já foi tão absurdamente explorado por anos-. 

Um final interessante de tirar o fôlego, que impressiona e deixa aquela raro sabor de querer mais.
Entre o crível e o absurdo The Evil Dead retornou não como uma simples copia do original, mas como uma releitura de todo o gênero criado pelo original, numa versão respeitável, admirável que soa como uma homenagem ao terror dos anos 80 com o sabor de saber usar a tecnologia e o avanço cinematográfico a seu favor – notem o uso da fonte para o titulo do filme no inicio e no final da projeção-.

Ainda contando com atuações correta de todos os atores, principalmente da jovem Jane Levy (Mia), que seguram bem a onda de serem naturais e exagerados na medida correta, The Evil Dead mantém o sabor de mescla de terror e humor que fez seu nome e adiciona boas doses de sobriedade e competência ao reinventar um clássico.

É extremamente gratificante quando vemos uma obra levada a serio, cuidadosamente planejada, pensada e conduzida. Mesmo o riso aqui é um riso nervoso, um riso aflitivo, um riso de olhos arregalados. Essa sensação é difícil de causar.

Uma chuva de sangue – literalmente- no mais do mesmo que se via por aí. Uma superação total de qualquer e toda expectativa. Uma aula de terror. Que não merece de forma alguma ser comparada a original e nem elevada ou rebaixado. Simplesmente posta lado a lado, tal qual o original; um legado bem feito.

Aos fãs do filme um enorme presente. Aos novos admiradores um achado tremendo. Aos realizadores uma salva de palmas banhados a gritos, sustos, risos, golfadas e KANDAR!

Trailer:



FICHA TÉCNICA

Diretor: Fede Alvarez
Elenco: Jane Levy, Jessica Lucas, Shiloh Fernandez, Lou Taylor Pucci, Elizabeth Blackmore
Produção: Bruce Campbell, Sam Raimi, Robert G. Tapert
Roteiro: Fede Alvarez, Diablo Cody, Sam Raimi, Rodo Sayagues Mendez
Fotografia: Aaron Morton
Trilha Sonora: Roque Baños
Duração: 92 min.
Ano: 2013
País: EUA
Gênero: Terror
Classificação: 18 anos











sábado, 13 de abril de 2013

Critica: ContraCorrente


Uma história de amor em meio a rígidas tradições. Um pescador de uma pequena cidade peruana tenta conciliar uma nova paixão com o casamento, sem poder levantar maiores suspeitas.

Essa é a sinopse oficial que é divulgada, mas não faz jus a esse singelo grande filme peruano que conquista justamente por ir contra a corrente de seus similares vastos por ai.

Contracorrente do diretor Javier Fuentes-León a principio pode lembrar bastante ao brasileiro “Dona flor e seus dois maridos”, e não é errado compara-los- a principio- uma vez que o próprio diretor revelou o gosto por essa obra de Jorge Amado, numa clara referencia e homenagem. Alias o Brasil permeia alguns detalhes e momentos da projeção, seja por citar novelas ou grandes astros do passado de nosso país, ou mesmo nossa marca registrada o futebol.

Porem, o que Contracorrente faz é sobrepujar preceitos ao elevar a relação a três num patamar idílico, de forma crível e sensível, mesmo que peque ao não se permitir cair no melodrama que aqui se justificaria e seria passível de culpa.

O roteiro assinado pelo próprio diretor conta a historia de Miguel, pescador humilde e líder de uma comunidade local no litoral do Peru. Casado com Mariela, Miguel esta esperando o primeiro filho do casal. Muito respeitado por todos da comunidade, Miguel é o responsável por levar os corpos dos mortos ate o mar, onde ele os oferece como forma de purificação para que suas almas possam descansar, de acordo com a crença local.

Porem um relacionamento extra-conjugal em total sigilo assola sua mente e coração. Essa relação se dá com Santiago, um pintor e fotografo gringo que é mal visto pela comunidade, pois recaem sobre ele justamente suspeitas de sua sexualidade. Após uma briga intensa entre Miguel e Santiago, uma fatalidade ocorre no mar, e Miguel se vê numa sucessão de duvidas e escolhas que colocam em cheque sua vida e sua própria identidade dali para frente.

Uma historia não tão incomum assim no cinema, um triangulo amoroso, interrompido pela morte e a volta do amado. Porem o que o filme consegue fazer é tornar essa relação tão natural, envolta em tantas duvidas preconceitos, hipocrisia, que levanta inúmeras questões morais e éticas, reflexões que acompanham o filme todo de maneira pontual e verossímil.

É a não aceitação do próprio Miguel com sua afeição por Santiago, é a mulher Mariela, grávida, apaixonada, tentando resgatar um casamento sem saber como, é o amor, e a devoção de Miguel pela mulher o filho e o amante de maneira intensa e o sofrimento justamente por isso, é o medo e a discriminação de amigos, são segredos, religião.

Tudo isso, é aliado a uma fotografia soberba, repleta de cores típicas e marcantes latinas, o amarelo, o vermelho, o azul, o verde, mesmo no litoral, a praia e o mar fundidos em takes com o deserto, numa clara metáfora dos opostos em conjunção entre conflito e harmonia. A nudez e o sexo são tratados de maneira usual sem ser apelativa, os quadros de filmagem assume enquadramentos que nos remetem as próprias pinturas de Miguel, repleta de detalhes e simetria, tais qual a direção de arte que se beneficia pelas excelentes locações.

Mesmo se tratando de uma produção multinacional ( Peru, Colômbia, França, Alemanha e Bolívia entre financiamentos e elenco), o filme carrega uma identidade peruana forte, seja pelos costumes culturais locais bem explorados, seja pela trilha sonora característica ou mesmo os figurinos que não nos deixa esquecer nem por um segundo em que cultura estamos inseridos.

Um drama romântico carregado, mas que, contudo não consegue se permitir em nenhum momento ser mais melodramática, falta lagrimas, falta o choro que tal historia merecia produzir, um filme que é belo e coeso sim, competente em seus diálogos e na construção de personagens complexos e fortes, mas que não os deixa em nenhum momento – talvez com exceção do ultimo ato que é brutalmente emotivo- ser piegas, no sentido bom da expressão. Falta emoção na morte de Santiago, falta emoção nas brigas, nas discussões. Um pena.
Mas mesmo isso não apaga o trabalho fantástico da trama bem amarrada.

Uma pequena grande obra que merece ser vista, discutida e analisada, que tal qual seu nome propício é uma contra corrente na mesmice que se encontra com tais temas hoje em dia. 

Pertinente e usual. 
Recomendo.  

Trailer



FICHA TÉCNICA

Diretor: Javier Fuentes-León
Elenco: Tatiana Astengo, Manolo Cardona, Cristian Mercado
Produção: Javier Fuentes-León, Rodrigo Guerrero
Roteiro: Javier Fuentes-León
Fotografia: Mauricio Vidal
Trilha Sonora: Selma Mutal Vermeulen
Duração: 100 min.
Ano: 2009
País: Peru/ Colômbia/ França/ Alemanha
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos









sexta-feira, 12 de abril de 2013

Critica: Antiviral

O ministério da Criticofilia adverte: 




Um antiviral é uma classe de medicamentos usado especificamente para tratar infecções virais. Como os antibióticos para as bactérias, antivirais específicos são usados para vírus específicos. Podem também distinguir-se de viricidas, que desativam partículas do vírus fora do corpo.

Isso são Antivirais. Porem o filme de estreia de Brandon Cronenberg não é bem assim que se justifica.

Antiviral vem à tona com o peso do nome Cronenberg nas costas, uma premissa excelente e perturbadora, mas um desenrolar um pouco duvidoso.
Num futuro indefinido, o mundo faz parte de uma grande sociedade que cultua as celebridades, não tão diferente dos dias de hoje, com inúmeros reality shows e programas, revistas voltadas para o show business reinam e operam a cada dia mais solidamente e em ascensão.

Porem nessa nova realidade, a 'cultuação' as estrelas imediatas se dá de maneira mais intrínseca  Uma nova tecnologia do mundo farmacêutico permite que fãs e admiradores, consigam se conectar de forma orgânica com seus ídolos. Tão intimamente a ponto de poderem partilhar doenças com eles.
Empresas patenteadas coletam vírus de doenças de artistas renomados e oferecem esses vírus as pessoas mediante a um alto pagamento. Assim, nesse futuro, se você é fã do Brad Pitt e ele por ventura contrai uma intensa Hepatite C, mediante a um alto pagamento, você poderia contrair o mesmo vírus dele, retira-lo das células do corpo dele. Através de um sistema complexo de mutação, essas empresas controlam os vírus, para que ele não seja contagioso, tornando-o assim exclusivo e contra cópias, assim quando se paga por uma doença há a certeza de que só a pessoa que pagou para contraí-la a terá.

Bula:

 Syd March (Caleb Landry Jones) trabalha em uma clínica que vende injeções de vírus colhidos em celebridades doentes para seus admiradores fanáticos.
Porem, Syd ocasionalmente traz esses vírus para o submundo, injetando as doenças em seu próprio organismo, para depois conseguir manipular o vírus e repassá-lo para ser vendido no mercado negro.
Depois de se infectar com o vírus que matou uma superestrela - Hannah Geist (Sarah Gadon)- Syd se vê num enorme problema, além do vírus parecer incontrolável, ele deve desvendar o mistério que envolve essa estranha doença para salvar sua própria vida e todo um sistema.

Com essa trama o roteiro assinado pelo próprio diretor Brandon, consegue se consolidar de maneira efetiva. Bem estruturado e com um ritmo controlado, o filme consegue avançar de maneira coerente e gradual, revelando uma abertura para questões profundas de critica comportamental, social. Porem, talvez, por ousadia demais ou por inexperiência, do segundo ato em diante, o filme cai num ode incontrolável de clichês e erros ínfimos que não só tornam o filme extremamente caricato e confuso, previsível, mas também errôneo em seu próprio propósito. Isso por que o filme que surgia teórico e conceitual, se transforma num Thriller de terror psicológico, com perseguições e intrigas de poder que o resumem a um mais do mesmo chocante apenas.

Pois sim, Antiviral é chocante e perturbador a ponto de incomodar. São carnes sintéticas criadas a partir de células humanas cozinhando e sendo comidas, são vômitos, sangues, fluidos corporais, e uma degradação humana de maneira tão insana, mas ao mesmo tempo tão pertinente que causa repulsa.

Aliado a uma fotografia com um designer incrível permeados pelas cores branca- bem estourado por vezes- prateado e preto, dando um tom 'fabulesco' e macabro ao filme. Tudo para demonstrar o quão insano e psicótico é aquela realidade. Quando essa ausência de cor, essa monografia é quebrada pelo vermelho intenso do sangue, o visual que se cria é sensacional. E o visual impecável se estende ao excelente protagonista Syd, que consegue transmitir sua falta de sentimento, a frieza daquele mundo fanático, sempre apático, com seus cabelos ruivos.

Mas é justamente essa frieza que prejudica Antiviral, se ela é valida no personagem central, ela, contudo arrasta o filme todo numa repetição incômoda, de anti-realidade. Nada ali convence, é tão sintético o mundo orgânico que o filme quer nos passar, que o filme acaba deixando a sensação de que tinha tudo para ir além, para permanecer, mas simplesmente se perde. Trava. Não avança. Uma pena.
Pena e problema que diga-se de passagem, assolou seu pai, David Cronenberg com seu mais recente filme, e igualmente duvidoso Cosmópolis. Ao tentar demonstrar a frieza e robotização da sociedade, estendeu ao filme essa mecanização.

Levando-se em conta que é o primeiro filme do jovem Cronenberg, tendo o pai que tem – o que é evidente não só no nome, mas também no estilo narrativo, que permeia todo o longa, em claras referências ao pai – e nos entregando tamanha inventividade de conceito, Antiviral não só é relevante e vale ser conferido como também deve ser encarado como uma pequena infecção, num promissor sistema orgânico cinematográfico que espera o jovem diretor.

Apreciem, mas com moderação.

Trailer



FICHA TÉCNICA

Diretor: Brandon Cronenberg
Elenco: Caleb Landry Jones, Sarah Gadon, Malcolm McDowell, Douglas Smith, Joe Pingue, Nicholas Campbell, Nenna Abuwa, Salvatore Antonio, Elitsa Bako, Milton Barnes, Katie Bergin, Lisa Berry, James Cade, Mark Caven, Lara Jean Chorostecki, Tedd Dillon, Jackie English, Donna Goodhand, Andriy Haddad, Josh Holliday, Kim Ly, Reid Morgan, Ian O'Brien, Vincent Thomas, Lady Vezina, Matt Watts
Produção: Niv Fichman
Roteiro: Brandon Cronenberg
Fotografia: Karim Hussain
Trilha Sonora: E.C. Woodley
Duração: 110 min.
Ano: 2012
País: EUA, Canadá
Gênero: Ficção Científica/terror psicologico
Classificação: 14 anos