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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Critica: O Primeiro Que Disse ( Mine Vaganti)



Ferzan Ozpetek é um diretor Turco, radicado na Itália. É gay assumido a tempos e sua carreira desponta com uma característica peculiar em seus filmes: filmes extremamente dramáticos com veia critica a sociedade moderna, que não desvinca as raízes dos preconceitos antigos.

Essa informação é relevante, por que diz muito sobre o porque seu mais recente filme conseguiu pegar uma premissa sem muito peso, se tornar um melodrama cômico de ótima qualidade.

Assim O Primeiro Que Disse (no original Mine Vaganti uma expressão antiga que faz alusão aquelas Minas- bombas- que flutuavam a deriva, típicas da segunda guerra mundial. E que atualmente tem tradução livre para a expressão “Bala perdida”), mais recente filme de Ferzan, já pela sua sinopse já carrega uma previa surpresa, por aparentar se tratar de uma comedia 'pastelona' e leve. Fazer tal leitura é um erro, dos mais terríveis. Isso porque O Primeiro Que Disse não só consegue ser um filme denso e extremamente dramático, como também promove uma ousada critica humorada a uma sociedade retrograda e ainda extremamente machista e preconceituosa.

Logo de inicio, num travelling longo, vemos uma noiva, correndo por um vasto campo abandonado, com ruínas por todos os lados, porem num ambiente belíssimo e de cunho poético  Ela corre desesperada, parecendo querer ao mesmo tempo chegar a algum lugar desesperadamente, e ao mesmo tempo estar fugindo de algo. Sua expressão a principio é indecifrável, mas ela parece chorar.

Essa beleza em contra partida a tristeza permeia todo o longa. Porem devemos lembrar que se trata de uma comedia. E o roteiro assinado por Ivan Cotroneo e o próprio Ferzan Ozpetek, não nos deixa esquecer isso. Isso por que, o filme logo no primeiro ato nos introduz numa trama divertida e com um cunho cômico extremo, ainda que por diversas vezes se apresente clichê e escrachada.

Tommaso (Riccardo Scamarcio) pertence a tradicional família Cantone, proprietária de uma fábrica de massas no sul de Itália. Ele veio de Roma, onde almeja uma carreira de escritor, para uma reunião com todos. Sua família acredita que ele foi estudar e se formar em Administração. Seu irmão mais velho será anunciado como eleito para tocar os negócios da empresa e ele pretende aproveitar a ocasião para contar a todos sobre sua homossexualidade. Só que ele não contava que seu irmão mais velho Antônio (Alessando Preziosi) tomaria a dianteira comunicando aos familiares que também é gay, obrigando Tommaso a esconder sua revelação e ainda assumir a fábrica, tendo em vista que todos ficaram chocados e seu pai Vincenzo (Ennio Fantastichini) mais ainda, tendo um infarto e expulsando Antônio de casa. Tommaso está sem saída. Como escapar de uma obrigação que não quer? Como contar a verdade sobre si, se isso pode custar a saúde de seu pai? E para piorar a situação, seu namorado em Roma, resolve lhe fazer uma visita surpresa, trazendo seus amigos. E nesse meio tempo, Tommaso ainda tem de lidar com um interesse que começa a nascer entre ele e uma das sócias da fabrica a jovem e bela Alba Brunetti (Nicole Grimaudo).

O filme utiliza o humor, como forma de criticar e trazer a tona toda a hipocrisia e pre-ceitos de uma sociedade que continua as margens da aceitação. Se os temas LBGT’s atualmente são exaustivamente tratados, pelo cinema americano, na Europa, especificamente na Itália, este tema ainda é um tabu.
Junta-se a isso o fato, de escolher uma seleção de atores conceituados no país, incluindo o mais recente galã que o pais possui, interpretando justamente o protagonista gay Tommaso, o que se obtém é um filme corajoso, ousado e por si só interessante.

Em dado momento, a mãe de Tommaso, Stefania (Lunetta Savino) pergunta ao namorado de Tommaso ( sem saber que este é namorado de seu filho, claro), que também é formado em medicina; se o a homossexualidade se Antonio tem cura. Tal detalhe no enredo, pode a um primeiro momento parecer jocoso, mas para a realidade daquele país e de uma família tão tradicional, não. Isso revela uma compreensão pelo enredo muito coeso.

Apesar das atuações do núcleo central, incluindo os amigos estereotipados e espalhafatosos de Tommaso em dado momento do filme – que é usado como artifício para quebrar o arco dramático com humor, que segue uma linha intensa ate então-, é da veterana, outrora uma grande atriz de teatro, Ilaria Occhini o grande destaque da projeção.

Isso porque, é de sua personagem – a avo e matriarca da família-  todas as grandes reflexões e ganchos do longa. É dela a narração da historia, é dela a redenção final, é dela as falas mais instigantes e inclusive é a personagem dela que transforma os personagens e o próprio filme em determinado momento.
Sua própria historia esta intrínseca no enredo, de maneira que o filme constantemente nos remete ao seu passado.

Contando com uma edição rápida e com uma boa fotografia, clara em tons escuros quando estamos no interior da casa da família e na fabrica, o que representa o tom claustrofóbico que Tommaso sente em tais lugares, o filme ainda possui uma ótima e divertida trilha sonora- um tanto repetitiva em seu tema central- mas que encaixa e funciona extremamente bem.

Mas é na relação entre Tommaso, Alba e o namorado de Tommaso, Marco (Carmine Recano), que a narrativa consegue surpreender. Isso porque, o roteiro cria uma intensa e complexa relação entre os sentimentos entre os três, criando uma discussão acerca de do amor muito interessante, no qual a máxima mais marcante se dá através da seguinte frase: "Somente os amores impossíveis são eternos." 
Ao qual serve de gancho para a sequencia extremamente bela e emocionante, e bem conduzida do final da projeção.

Entre lindas paisagens e planos abertos, e panoramas que mostram lugares distintos de Toscana, o longa ainda como qualquer outro filme italiano, transito milimetricamente entre o limite do drama e do humor.

A critica a uma sociedade hipócrita, que se esconde atrás de um conservadorismo falso permeia boa parte da projeção. Seja pela subtrama da tia que mantém um caso não oficial com um homem que entra por sua janela todas as noites, ao que ela grita “Ladrão!Ladrão!” todas as madrugadas assim que ele vai embora, para disfarçar. Seja a avo que entre suas historias esconde uma vontade latente de se libertar, mas tendo que manter as aparências, seja o pai, que mantém casos extraconjugais, seja a mãe que sabe de tais casos mas finge não saber, seja o próprio Tommaso que sonha em ser escritor, que sonha em oficializar seu namoro mas não o faz por medo de contar a família.

O filme traça um extenso e interesse panorâmica de nossa sociedade inclusive, que se esconde atrás de fachadas e ainda assim julga.

Um dos pontos mais emblemáticos se dá quando numa cena, Tommaso declara através de um bilhete, que não consegue dialogar, não consegue unir forças na voz para dizer o que pensa, e que encontra nas palavras a única maneira de dizer ao mundo quem verdadeiramente é. Ou mesmo na fala da Tia Luciana ( interpretada pela aqui irreconhecível e linda Elena Sofia Ricci), que fala bem baixo o que realmente pensa sobre certa situação e logo em seguida se cala envergonhada e com medo, assim que os olhares surpresos recaem sobre ela.

Um filme que pode aparentar ser apenas mais uma comedia italiana, repleta de seus clichês “quando a família se junta, sempre dá confusão”, mas não é. Ele cumpre esse papel e vai alem. Consegue ser um filme interessante amplamente, com todas as características que fazem do cinema europeu um dos melhores em termos de comedia, com diálogos peculiares, e ainda assim um filme extremamente critico e coeso, com um melodrama corajoso e no mínimo instigante e delicioso de ver.

Um filme que merece ser visto, revisto, apreciado e descoberto.

*É interessante as sequencias que compõem os créditos após o termino do filme também.

Trailer



FICHA TÉCNICA

Diretor: Ferzan Ozpetek
Elenco: Riccardo Scamarcio, Nicole Grimaudo, Alessandro Preziosi, Ennio Fantastichini, Lunetta Savino, Ilaria Occhini, Bianca Nappi, Carmine Recano, Massimiliano Gallo
Produção: Domenico Procacci
Roteiro: Ivan Cotroneo, Ferzan Ozpetek
Fotografia: Maurizio Calvesi
Trilha Sonora: Pasquale Catalano
Duração: 110 min.
Ano: 2010
País: Itália
Gênero: Comédia Dramática
Classificação: 14 anos















2 comentários:

Completo, delicioso e intenso. A única palavra em que consigo pensar para descrevê-lo é: Perfeito (assim como sua crítica).

sem dúvida um filme lindo, rico que merece ser assistido como bem colocaste " visto e revisto" . Saliento a eloquencia dos olhares- gestos. Apreciei tua crítica . abç

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