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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Critica: Ensaio Sobre A Cegueira


Uma inexplicável epidemia chamada de "cegueira branca" atinge, sem explicações, pessoas no mundo inteiro, que passam a ver uma superfície leitosa. À medida que os afetados são colocados em quarentena e os serviços oferecidos pelo estado começam a falhar as pessoas passam a lutar por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. Nesta situação, a única pessoa que ainda consegue enxergar é a mulher de um médico (Julianne Moore), que juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida.

Rodado entre as cidades de Montevideu, Toronto e São Paulo; Ensaio Sobre a Cegueira, filme do diretor Fernando Meirelles, baseado no aclamado livro de mesmo nome do autor José Saramago, nos traz personagens sem nomes, ambientes sociais e físicos inóspitos, e uma carga de dramaticidade e aflição latente.

Desde o inicio o filme nos coloca como espectadores de uma trama que faz prelúdio ao caos. Num dia comum, sem explicação, uma pessoa entra em desespero ao relatar ter perdido a visão, sem mais e sem menos. Mas não é uma perda e visão “comum”. A pessoa relata que tudo que consegue visualizar é uma luz branca meio leitosa, como se de fato tivesse mergulhado de lhos abertos num mar de leite. Em menos de 30 minutos de projeção, varias pessoas ao redor do mundo vão adquirindo a mesma cegueira branca, o que coloca cidadãos e o governo em alerta Maximo, colocando em quarentena todos os infectados, em espécies de manicômios, que aos poucos vai perdendo acesso a assistência medica de qualquer tipo.

A quarentena então passa a se tornar um verdadeiro presídio. Onde a lei do mais forte impera. Violência, estupro, brigas, discussões, doenças e degradações sentimentais, emocionais e físicas se estendem pelos corredores do local - local este que em nenhum momento é identificável em que pais fica – onde ninguém enxerga nada, alem de uma claridade branca. Com exceção de uma única pessoa; a mulher do único medico do grupo. Juliana Moore é a única que inexplicavelmente não perde a visão, mas se submete a quarentena para poder cuidar do marido, então finge estar cega também. Ao longo dos dias porem, ela acaba por exercer o papel de guiar e cuidar de todo o grupo, uma vez que é a única que consegue enxergar. Mas aos poucos o que poderia se chamar de sorte a um primeiro momento é transformado num verdadeiro suplicio, e prova de resistência e equilíbrio.

Com essa narrativa, Ensaio, traça uma linha de questionamentos intenso de humanização e reflexão sobre preconceitos e instintos básicos de sociedade e raça humana.
Contando com uma montagem bem feita e que confere acertadamente um ritmo de lentidão, o longa entra rapidamente em seu segundo ato, mas permanece quase que infinitamente na passagem do segundo para o terceiro. Essa escolha se mostra essencial, para demonstrar os dias arrastados e pesados que seguem o enredo.

A fotografia assinada por César Charlone assume um papel talvez ate mais importante do que a narrativa do longa. Com uma paleta de cores difusa puxadas quase que extremamente para o branco e o cinza, com imagens desfocadas, o que inclusive se segue ate o figurino desgastado e apagado, aliados a planos e enquadramentos sem nenhuma simetria ou nivelamento, que por vezes cortam em tela um personagem, um ambiente, com distorções e câmeras repetidamente tremidas, reflexões a todo instante; conferem ao filme a ideia plena de estarmos vivenciando a mesmo experiência que os personagens. Tudo nos remete a um ambiente de caos, pós-apocalíptico banhados em leite. E isso é sublime.

É curioso e assustador, por exemplo, nos depararmos com uma São Paulo totalmente devastada, em amplos planos filmados com maestria, como nunca antes.

Mas é o fato de nenhum personagem possuir nome, que confere ao longa seu ponto mais alto.
Com um time de excelentes atores como Julianne Moore ( a Mulher do Medico oftalmologista), Mitchell Nye (Menino de Óculos), Yûsuke Iseya (o Primeiro Cego), Yoshino Kimura ( mulher do ladrão), Mark Ruffalo (médico oftalmologista) , Alice Braga (Garota dos Óculos Escuros), Danny Glover ( o Velho de Tapa-Olho), Gael García Bernal (Rei da Camarata 3), e Maury Chaykin(a Recepcionista); Ensaio cai fundo em preceitos, discriminações, éticas e morais humanas,elucidados por metáforas e referencias que nos dão a ideia de que a visão é essencial, mas é ao mesmo tempo nosso sentido de percepção mais horrível e que mais degradamos ao longo da evolução. 
Sem nomes, os personagens acabam sendo diferenciados justamente por julgamentos classificatórios feitos por nós a eles por características secundarias nada diferente de colo classificamos qualquer pessoa no dia a dia sem a conhecermos de fato antes – o cara da padaria, o estrábico, a gordinha, a negona, o velho safado, a periguete... - classificações que limitam ao extremo, e que usamos no nosso dia a dia indiscriminadamente. 

E não menos metafórico e critico é o fato de justamente a mulher do oftalmologista, ser a única a não ficar cega e por isso mesmo ser a que mais sofre e vive perigos intensos.

Por que se o mundo esta um caos, justamente por ninguém mais usar mascaras, uma vez que ninguém enxerga e ninguém mais precisa fingir nada, não há olhos de fora para apontar já que não te enxergam estar assim mesmo, sem visão não faz diferença se o mundo esta caótico. Mas ela como única a enxergar, ver a degradação humana pela falta de morais nos outros, é horripilante. Não por acaso o filme ganha ares de um verdadeiro longa de mortos-vivos.

É interessante por exemplo a maneira que a narrativa nos conduz aos instintos mais primários do Homem, e não por acaso uma cena em que varias mulheres banham uma colega violentada, transita de maneira quase que ritualística. Ou mesmo como a saída do manicômio, parece se tornar a própria espiada fora da Caverna. 

Ensaio Sobre a Cegueira, que de fato se torna filosoficamente e teoricamente um ensaio social, portanto adquiri exatamente aquilo a que se propõe uma experiência única, intensa e extrema de reflexão, tal qual a do espelho também, sobre nós mesmo. E como tal, não poderia deixar de ser controvérsia.

É o tipo de experiência fílmica que não tem cunho de bom ou ruim, tecnicamente falando é quase impecável, mas se formos nos referir a julgamento de valores de gostos, ele acaba sendo único de cada um. Eu particularmente o mantenho no limite entre o gostei, mas...

Ou seja; por isso mesmo vale a pena ser assistido e ser enxergado, ou não, por cada um, da maneira que se apresentar.

O ultimo piscar de olhos fica por conta de Saramago, Meirelles e Platão.




FICHA TÉCNICA

Diretor: Fernando Meirelles
Elenco: Julianne Moore, Yûsuke Iseya, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover, Gael García Bernal, Sandra Oh, Jorge Molina, Katherine East, Scott Anderson, Maury Chaykin.
Produção: Andréa Barata Ribeiro, Niv Fichman, Sonoko Sakai
Roteiro: Don McKellar
Fotografia: César Charlone
Trilha Sonora: Marco Antônio Guimarães
Duração: 124 min.
Ano: 2008
País: Brasil/ Japão/ Canadá
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
















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