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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Critica: Intocáveis


"Um Filme Tocante!"


Dois Homens, um negro e um branco de certa idade, num carro em alta velocidade pelas ruas da França a noite. Um travelling extenso aéreo acompanha-os furtivamente pela noite, como se fossem dois criminosos em fuga, ou como se estivessem transgredindo os limites de velocidade apenas por diversão perigosa.
Logo, um dialogo amigável, nos informa que eles não são tão perigosos assim...




Philippe, um refinado multimilionário tetraplégico francês, precisa de um auxiliar de enfermagem para auxiliá-lo nas suas atividades rotineiras.  Dentre tantos candidatos, ele escolhe Driss, um senegalês que vive nos subúrbios de paris e que acaba de cumprir uma pena de 6 meses de prisão, sem formação alguma para o cargo e dono de um temperamento forte e explosivo.
Amparado por essa premissa, Intocáveis dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano, nos imerge em uma historia sarcástica e extremamente belíssima. Baseada no livro "O Segundo Suspiro" (Le second souffle) que conta a historia real do verdadeiro Philippe Pozzo Di Borgo. 

O sarcasmo esta contido apenas em seu titulo. Apesar de o longa ter recebido o nome de Intocáveis, é impressionante o quanto ele contem elementos extremamente tocantes. Ele atinge, toca, flerta com o espectador de maneira plena.  
Com um trabalho de fotografia de muito bom gosto assumido por Mathieu Vadepied, Intocáveis cria uma paleta de cores que vai dos tons escuros e sombrios dos subúrbios, ate aos tons iluminados e carregados de tons pasteis do centro. Mais especificamente da mansão de Philippe.
É muito interessante observar a escolha do diretor em introduzir a arte, a pintura e a musica clássica, como metáforas as condições de relacionamento entre Philippe e Driss. Tudo isso inseridos na cenografia que preza pelos detalhes impecáveis de construção de cena, como fotos dispersas em portas retratos que nos informam discretamente sobre o passado e vida de cada personagem. Auxiliados pelo figurino que compõe seus personagens e suas personalidades de maneira bem eficaz, como a presença sempre insistente do capuz em Driss, ou a jaqueta de couro e ternos claros de Philippe. Cada vestuário caracteriza o mundo em que casa um é inserido. Mesmo que compartilhem de um mesmo ambiente, cada um possui realidades, gostos, e personalidades diferentes.

A vida de Driss é um suplicio com sua família a beira da falência e desunida, com varias crianças para cuidar, uma mãe que cansou de esperar por um futuro e atitudes responsáveis do filho, um irmão envolvido com o mundo das drogas e ele tentando mudar sem saber como e sem ter oportunidades. Num ambiente cruel de desvalorização e abandono que mostra as condições dos imigrantes africanos  sem oportunidades de emprego na frança, e que a alguns anos durante o governo Sarkozy, rendeu ao pais diversas manifestações violentas pela falta de oportunidades, apoio e perspectiva.
E a vida de Philippe também é extremamente difícil. Milionário, mas tetraplégico, devido a um acidente a anos atrás, totalmente dependente de tudo e de todos, que só consegue mover o corpo do pescoço para cima, desmotivado, solitário, pai de uma filha de 15 anos com quem não tem quase relação, que troca cartas frias com uma mulher que nem conhece pessoalmente, e viúvo.

Ainda assim, o que poderia se tornar apenas mais um filme extremamente dramático e carregado, é, contudo um filme leve e divertido. O peso já esta no enredo.  E é justamente o roteiro e seus diálogos que fazem seu serviço como ninguém.
Com diálogos memoráveis, o roteiro assinado por Olivier Nakache e Eric Toledano, apresenta não só uma narrativa progressiva e detalhista, como contem elementos de critica ao sistema econômico e social da frança. É notável constatar em simples diálogos aparentemente dispersos, como Driss nos apresenta o panorama de desemprego e divisão de classes da frança – candidatos a um emprego, totalmente avesso as suas formações acadêmicas, apenas pelo dinheiro.  Ou como Philippe nos apresenta o mundo econômico como um grupo calcado na lei das aparências – o quadro pintado pelo negro do subúrbio que não entende nada de arte, ser vendido a 11 mil apenas por ser ofertado como um original de um artista europeu que passou pela principal galeria de arte de Berlim -.

Mas o maior feito de Intocáveis esta em sua narrativa. Com um enredo que poderia render vários momentos de introspecção carregados de melodrama e clichês fáceis, ele calca o caminho inverso, e aposta no humor, na leveza para nos apresentar uma historia que por si só já é intensa e dramática.
Mas não é um humor negro, o que poderia se pensar; o humor critico; não. É um humor natural, verossímil. Um humor pelo qual todos nós levamos a vida, ainda mais em seus momentos mais tensos e carregados. A velha historia de “rir para não chorar”, ou mesmo “é a vida, fazer o que”. E isso é admirável.
O filme toma ares de uma comedia ao tratar do tetraplégico, não como um coitado, mas como a pessoa que é: um homem normal. Não há distinção fixa em nenhum momento. Alias é raro os momentos em que nos damos conta de que estamos vendo um personagem tetraplégico. Suas limitações não são o foco ali, é uma realidade, uma característica, que conduz o fio dramático, mas que não é enfocada a toca hora, justamente para se distanciar do tom melancólico e do melodrama.

Com atuações brilhantes e interessantíssimas de François Cluzet – que esta impecável no papel de Philippe-, e Omar Sy – cuja atuação lhe rendeu um César (espécie de Oscar Francês) tornando-se assim o primeiro negro da historia do país a ganhar tal premio,-; e de seus principais personagens, todos no tom certo, na dramaticidade certa, é, contudo Omar Sy e seu Driss que se destaca em tela. 
Todos os melhores momentos provem dele, sejam suas cantadas, sejam seus comentários carregadas de humor e atrevimento, sejam suas expressões de ternura, sofrimento e peso pelas responsabilidades e dramas que carrega. Sem falar que seu sorriso cativa a qualquer um e seu timbre extremamente grave é uma delicia de se escutar.

Conta ainda com uma trilha sonora arrebatadora, que vai de Nina Simone e Hal Mooney á George Benson e Earth, Wind & Fire, ate Bach, Vivaldi, Ludovico Einaudi, Chopin e Mozart.

Repleto de delicadeza, o filme encontra seu melhor momento próximo ao final, quando Driss leva Philippe para ver o mar. É tocante – a palavra é inevitável – a alusão que se faz nessa cena, num plano fixo e aberto, de Philippe e Driss vendo as ondas do mar aberto, num dia excessivamente claro, onde a fotografia assume tons brancos e cinza, ligeiramente esfumaçados. A sensação trazida é de paz. E é lindo notar como as ondas do mar representam no olhar de Philippe naquele momento exatamente a sua condição: o mar que não sai do lugar, permanece pra sempre no mesmo lugar, mas não parado, suas ondas o movem. O mar que é belo e fascinante e ao mesmo tempo tão simplório e misterioso.
E o filme se resume bem a isso. E como essa cena que nos faz lembrar que não somos nós que tocamos o mar e sim o mar que nos toca, a água que nos toca e não ao contrario. Intocáveis nos toca. 
É como se apesar de nós termos dado o play, termos caminhado ate a sala de cinema e estarmos ali de espectadores, na realidade fossemos os verdadeiros objetos assistidos. O filme nos enxerga e por isso mesmo nos arrebata dessa forma plena e gostosa. (arrebatamento, alias que ja conferiu ao longa a melhor bilheteria francesa da historia no mundo todo, que antes pertencia ao filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" de 2001 )

A sensação que fica ao final de Intocáveis é a de que estivemos diante de um filme inesquecível  que prova mais uma vez o talento dos franceses em criar historias densas e ainda assim cativantes, e a de querer rever o filme varias e varias vezes.

Confesso: 'ainda estou com uma ligeira vermelhidão nos lóbulos da orelha...'





FICHA TÉCNICA

Diretor: Olivier Nakache, Eric Toledano
Elenco: François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, Audrey Fleurot, Clotilde Mollet, Alba Gaïa Kraghede Bellugi, Cyrril Mendy, Christian Ameri
Produção: Nicolas Duval-Adassovsky, Laurent Zeitoun, Yann Zenou
Roteiro: Olivier Nakache, Eric Toledano
Fotografia: Mathieu Vadepied
Trilha Sonora: Ludovico Einaudi
Duração: 112 min.
Ano: 2011
País: França
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos














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