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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Crítica: Incêndios


“Jeanne, um mais um é igual a um?”


Incêndios começa no Canadá. E conta a historia dos irmãos gêmeos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Marwan Maxim) que acabaram de perder a mãe, Nawal Marwan (Lubna Azabal). Após a morte da mãe, ambos são levados ate o tabelião da família que lhes informa do testamento deixado por ela aos filhos, que consiste em pedidos e vontades. No documento, Nawal pede que seja enterrada sem caixão, nua e de costas, sem que haja qualquer lápide em seu túmulo. Ela deixa também dois envelopes, um a ser entregue ao pai dos gêmeos e outro para o irmão deles; irmão esse que os gêmeos desconheciam a existência. E pai esse que jamais conheceram. Somente depois da missão de encontrar o irmão desaparecido e o pai ate então que eles julgavam estar morto, e entregar os respectivos envelopes a eles, é que os gêmeos poderão enfim enterrar sua mãe, com lapide e as honras pós-morte e receber uma ultima carta final. Para honrar a vida e memória da mãe sofrida eles tomam e respeitam a ultima vontade da mãe. É o início de uma jornada em busca do passado da mãe, que os leva até a Palestina. E a horrores de guerra e destino que os marcarão para sempre.

Com um fio condutor intenso, Incêndios, do diretor e também roteirista Denis Villeneuve; e baseado numa peça de sucesso de Wajdi Mouawad; é um filme que traça uma narrativa forte, poderosa e que tem tudo para entrar definitivamente para os anais dos seletos filmes clássicos e tecnicamente sem falhas do cinema.
Com atuações primorosas, o filme cai fundo nas relações humanas e familiares, alem de trazer um palco de melancolia e angustia extrema. Chega a ser palpável os sofrimentos ali vividos.
Numa verdadeira fabula de encontro com o passado e a verdade, Jeanne a filha mais velha, parte rumo ao país de origem de sua mãe; o Líbano; passando pela Palestina.

Aqui a estrutura narrativa dá um salto no tempo e nos transporta ate a década de 70, em plena guerra civil libanesa.
Em uma montagem parcialmente paralela, vemos os caminhos de mãe – no passado- e filha – no presente -, se intercalarem. FlashsBack nos conduzem aos passos traçados pela mãe. Isso nos dá informações sobre esse passado, e esse enigma que a filha deve desvendar para achar o irmão desconhecido e o pai, para fazer a ultima vontade da mãe. Com essa estrutura, o filme já começa a aterrorizar, ao sabermos sempre um pouco mais que a protagonista e vermos irresolutos sua descoberta, por algo que já temos ideia de quão horrível pode ser.  E é interessante como a escolha das atrizes foi pertinentemente semelhante. As duas se confundem esteticamente na tela, o que nos leva a crer que a filha entra no mundo da mãe como ninguém mais. E assim a escolha de montagem se apresenta não só eficiente a trama, mas também acertada.

Com planos em sua maioria abertos e sequências longas, a ação é o que predomina; os atos, nem tanto os diálogos. Ainda assim os que surgem são de extrema importância e inteligência.
Com uma fotografia que preza por uma paleta de cores amenas, bem cinza, e em raros momentos (geralmente quando mostra o passado) carregada de vermelho e preto, o filme tem ares de um filme de guerra, seja por sua direção de arte que cria um ambiente bucólico e alarmista, seja pelo enredo que utiliza mais de quatro atos de reviravoltas, e edição rápida em certas cenas ou com planos com câmera na mão, e travellings de afastamento que seguem seus personagens.

É espantoso como o filme consegue mostrar com o mesmo tom, massacres, estupros, abusos e mortes brutas, e lirismos, delicadezas e cenas poéticas  O filme trata em termos religiosos- apesar desse não ser o foco - com o mesmo peso a parte muçulmana e a parte cristã.
E mesmo os dramas mais "novelas mexicanas" possível, são apresentados com total realidade, sem soarem piegas ou forçadas. A trama nunca se deixa cair no dramalhão, melodramatico, sempre se mantem centrado e eloquente. 

Contando ainda com uma trilha sonora suave, em tons graduais, Incêndios carrega em seu desfecho o ápice dos filmes da ultima década.
Na cena em que o filho Simon, volta de sua parte da missão, carregando uma informação importante sobre a própria historia e o passado da mãe; ele e Jeanne estão num quarto de hotel, sentados numa cama.
com um enquadramento em plano médio e fixo, e ligeiramente em contra-plongée, observamos o dialogo e as expressões dos irmãos a compreender aquilo que lhes foi informado. e é belo a maneira que a cena é construída  em fotografia apaga, quase sem iluminação(o único foco de luz provem do corredor ao fundo, da porta do quarto entreaberta) e com a ausência de trilha sonora. o silencio absoluto cortado apenas pela voz e respiração dos dois personagens, é amedrontador e ao mesmo tempo tocante. Causa exatamente o baque que um clímax como um filme desses merece.

É complicado tratar de incêndios, falar sobre seu enredo sem entregar muito de seu desfecho, bem como qualquer informação mais detalhada, é o tipo de filme que não é possível contar muito sem tirar seu sentido narrativo de ser.

A unica ressalva que faço, fique talvez na escolha da parte em que escolheram finalizar a narrativa. Creio que para o enredo todo carregado ao qual veio se firmando, terminar talvez uns 5 minutos antes do que realmente terminou seria mais coeso. A sensação que fica é que os 5 minutos finais de projeção foram incluídos mais para tornar o filme "compreensível" para um grande publico, ao invés de manter o tom elucidativo a que vinha caminhando. Ao final ele entrega sem meios para interpretação pessoal, a verdade ali escondida, onde seria muito mais interessante, deixar a "missão" ao espectador compreender, cair  a ficha, assim como cai para s personagens sem a necessidade de dizer com palavras explicitas. Mas isso não tira em nada o mérito da projeção, é apenas questão pessoal aqui.

Basta dizer, por tanto, que incêndios, que já inicia com sua excelente metáfora em seu titulo, é um verdadeiro primor, umas das melhores surpresas da ultima década, numa projeção, densa, intensa, sombria, emocionante e extremamente coesa e perturbadora.

Uma experiência visceral do inicio ao fim.





FICHA TÉCNICA

Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman
Produção: Kim McCraw, Luc Déry
Roteiro: Denis Villeneuve
Fotografia: André Turpin
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Duração: 130 min.
País: Canadá
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos









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